"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Anos 1920 - Questão Social (Parte 04/05)

Médicos sanitaristas em Manguinhos, vendo-se Artur Neiva (primeiro sentado à direita), 1913.
Rio de Janeiro (RJ). (CPDOC/AN foto 001)

Movimento Sanitarista

O escritor Monteiro Lobato criou um personagem chamado Jeca Tatu. Era um caipira que não fazia nada na vida devido à doença e à preguiça. Mas Lobato aderiu à campanha em prol do saneamento rural e deu a seu personagem educação sanitária. A partir de então, Jeca Tatu prosperou a olhos vistos, superou em produtividade o trabalhador imigrante e tornou-se, ele também, um educador sanitário.
Era evidente que nas primeiras décadas do século XX o brasileiro, sobretudo o homem do campo, estava doente. Alguns não conseguiam ver solução para isso e mantinham uma atitude negativista. Outros, os ufanistas, ignoravam o problema. Mas os que abraçaram a campanha sanitarista acreditavam que havia cura para o mal do povo brasileiro.
Para os defensores do saneamento, a questão da saúde, assim como a da educação, era também elemento crucial na construção da nacionalidade. Um claro exemplo da relação entre o abandono e o isolamento das populações sertanejas e a ausência de um sentimento de identidade nacional está no Relatório Médico-Científico publicado em 1916 por Belisário Pena e Artur Neiva, do Instituto Oswaldo Cruz. Lá se diz que é "raro o indivíduo que sabe o que é o Brasil. Piauí é uma terra, Ceará outra terra. Pernambuco outra (...). A única bandeira que conhecem é a do divino." A publicação desse relatório foi extremamente importante para a tomada de consciência da situação sanitária do país. A campanha do saneamento rural foi igualmente intensificada pelo movimento nacionalista que se generalizou a partir da Primeira Guerra Mundial.
Os sanitaristas consideravam a federalização da República - ou seja, a relativa autonomia dos estados, dominados pelas oligarquias locais - o maior obstáculo a uma ação coordenada com vistas ao combate às doenças endêmicas do país. E estas não eram poucas: ancilostomose, malária e doença de Chagas, para citar só as mais comuns. Havia uma Diretoria Geral de Saúde Pública, vinculada ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, que praticamente não funcionava. Clamava-se pela criação de um Ministério da Saúde Pública, por uma ação de caráter nacional para o tratamento da saúde do brasileiro.
Em fevereiro de 1918 representantes das elites política e intelectual fundaram a Liga Pró-Saneamento do Brasil, sob a direção de Belisário Pena. Este fato marcou a passagem de um período mais espontâneo da campanha sanitarista para uma ação mais organizada.
A despeito da excelente repercussão que vinha obtendo na imprensa e nos debates parlamentares, a campanha só deslanchou de fato em 1918, graças à epidemia de gripe espanhola. Ao atingir as cidades, particularmente o centro político-administrativo do país, e ao ignorar as distinções entre as classes sociais, o que lhe valeu o apelido de "gripe democrática", a epidemia determinou uma nova apreciação do problema pelas autoridades competentes. O próprio presidente Rodrigues Alves, eleito naquele ano, e parte do contingente militar enviado ao teatro de operações na Primeira Guerra Mundial juntaram-se às vítimas fatais da gripe espanhola.
Em dezembro de 1919, foi criado o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), que daria maior amplitude aos serviços sanitários federais. A partir de então, a participação e a intervenção do Estado na área de saúde pública só tendeu a se ampliar e se solidificar. A interdependência compulsória que as epidemias e endemias criaram entre os estados e os municípios, de um lado, e o poder central, de outro, contribuiu gradualmente para o fortalecimento do Estado. A ação do poder central por todo o país, por sua vez, ajudou a minar o sistema oligárquico.

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