"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Aristóteles (Parte 05/09)


LÓGICA - (Páginas 127-129.)

A diferença entre “forma” e “substância” também é muito importante quando Aristóteles descreve como o homem reconhece as coisas do mundo.
Quando reconhecemos as coisas, nós as ordenamos em diferentes grupos ou categorias. Por exemplo, vejo um cavalo hoje, outro amanhã e outro depois de amanhã. Os cavalos não são exatamente iguais, mas há alguma coisa que é comum a todos os cavalos. E esta coisa que é comum a todos os cavalos é a “forma” do cavalo. Tudo o que é distintivo ou individual pertence à “substância” do cavalo.
E assim vamos nós pelo mundo, colocando as coisas em gavetas diferentes. Colocamos vacas no curral, cavalos no estábulo, porcos no chiqueiro e galinhas no galinheiro. O mesmo acontece quando Sofia Amundsen limpa o seu quarto. Ela coloca os livros na estante, os cadernos na mochila e as revistas na gaveta da escrivaninha. As roupas são cuidadosamente dobradas: peças íntimas são colocadas numa gaveta, malhas de lã em outra e meias em outra. Veja que fazemos o mesmo nas nossas cabeças: estabelecemos a diferença entre coisas que são feitas de pedra, coisas de algodão e coisas de borracha. Distinguimos coisas vivas de coisas mortas, e “plantas” de “animais” e de “seres humanos”.
Você está acompanhando, Sofia? Aristóteles queria, portanto, arrumar o quarto da jovem natureza. Ele tentou mostrar que todas as coisas na natureza pertenciam a diferentes grupos e subgrupos. (Hermes é um ser vivo. Ou melhor, um animal. Ou melhor, um animal vertebrado. Ou melhor, um mamífero. Ou melhor, um cachorro. Ou melhor, um labrador. Ou melhor, um labrador macho.)
Vá até o seu quarto, Sofia. Pegue qualquer objeto que estiver no chão. Qualquer um, não importa. Você verá que o objeto que você pegou está inserido numa ordem superior. Quando encontramos uma coisa que não conseguimos classificar, levamos um verdadeiro choque. Por exemplo, se você se depara com uma pequena coisa e não sabe dizer ao certo se esta coisa pertence ao reino animal, vegetal ou mineral, acho que você não ousaria tocá-la.
Reino animal, vegetal ou mineral. Foi isto o que eu disse. Estou pensando naquele jogo de salão em que um pobre coitado é mandado para fora da sala enquanto os outros ficam pensando no que o pobre coitado terá de adivinhar quando voltar. Os outros decidem pensar em Mons, o gato do vizinho que nessa hora está no jardim. Então o pobre coitado entra de novo na sala e começa a adivinhar. Os outros só podem responder com “sim” e “não”. Se o pobre coitado for um bom aristotélico – e neste caso não seria um pobre coitado -, o diálogo entre ele e os demais bem que poderia ser este: É concreto? (Sim!) Pertence ao reino mineral? (Não!) É vivo? (Sim!) Pertence ao reino vegetal? (Não!) É um animal? (Sim!) É um pássaro? (Não!) É um mamífero? (Sim!) Isto é tudo sobre o bicho? (Sim!) É um gato? (Sim!) É Mons? (Siiiimm! Risadas…).
Foi Aristóteles, portanto, quem inventou esta brincadeira. A Platão atribuímos a honra de ter inventado o “esconde-esconde”; e a Demócrito, a honra de ter inventado as pedrinhas de Lego.
Aristóteles foi um organizador, um homem extremamente meticuloso, que queria pôr ordem nos conceitos dos homens. De fato, ele também fundou a ciência da lógica, e estabeleceu uma série de normas rígidas para que conclusões ou provas pudessem ser consideradas logicamente válidas. Vamos ver um exemplo: se constato primeiramente que “todas as criaturas vivas são mortais” (primeira premissa), e depois constato que “Hermes é uma criatura viva” (segunda premissa), então posso tirar a elegante conclusão de que “Hermes é mortal”.
O exemplo nos mostra que a lógica de Aristóteles trata da relação entre conceitos; neste caso, “criatura viva” e “mortal”. Mesmo que tenhamos que concordar com Aristóteles em que a conclusão tirada é cem por cento correta, temos de admitir que ele não nos diz nada de novo. Afinal de contas, nós já sabíamos que Hermes é “mortal”. (Ele é um cachorro, e todos os cachorros são “criaturas vivas” e, portanto, “mortais” por oposição às pedras da montanha.) Sim, Sofia, já sabíamos disso. Mas nem sempre a relação entre grupos ou coisas nos parece tão evidente. De vez em quando pode ser necessário pôr certa ordem em nossos conceitos.
Vou citar apenas um exemplo: será que realmente é verdade que um filhotinho de rato, minúsculo, pode mamar tal como um carneiro ou um porco? Isto parece muito estranho, mas vamos raciocinar um pouco: ratos não botam ovos (onde é que já se viu um ovo de rato?). Isto significa que seus filhotes são criaturas que já nascem vivas, exatamente como os porcos e os carneiros. Chamamos de mamíferos os animais que dão à luz filhotes vivos, e os mamíferos são animais que mamam o leite de suas mães. Chegamos, assim, aonde queríamos. A resposta já estava dentro de nós, só que precisávamos primeiro pensar um pouco. Na pressa tínhamos nos esquecido de que os ratos realmente mamam o leite de suas mães. Talvez isto se deva ao fato de nós nunca termos visto um ratinho mamando. E isto, por sua vez, se explica pelo fato de que os ratos têm um pouco de vergonha dos homens quando estão amamentando seus filhotes.

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