"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

O desafio do Islã – a doutrina e o legado muçulmano (Parte 04/06)

Al-Farabi, o primeiro e mais influente dos pensadores islâmicos.

O precioso legado muçulmano

Na imensa constelação dos sábios muçulmanos, há que se destacar ainda um punhado de nomes:
- Jabir (século VIII), o maior mestre da alquimia, autor de uma obra imensa, na qual descreveu as principais operações químicas;
- Al-Farabi (872-950), místico, filósofo, matemático e médico, primeiro grande comentador da obra de Aristóteles;
- Al-Battani (877-929), matemático e astrônomo, que lançou as bases da moderna trigonometria ao substituir o sistema grego de cordas de ângulos pelas noções de seno e co-seno;
- Al-Sufi (século X), autor de famoso tratado sobre as estrelas fixas;
- Avicena (980-1037), gênio universal, autor de uma vasta enciclopédia das ciências e práticas médicas que foi, durante seis séculos, a bíblia dos estudantes de medicina europeus;
- Al-Biruni (século XI), filósofo, matemático, astrônomo, físico, geógrafo, historiador e poeta, que calculou com grande precisão o raio do globo terrestre;
- Omar Khayyam (1040-1114), poeta sufi, autor do célebre Rubaiyat, e também matemático e astrônomo, tendo proposto uma solução parcial para as equações de terceiro grau;
- Averróes (1126-1198), o principal comentador de Aristóteles, que influenciou profundamente toda a filosofia escolástica medieval, tanto islâmica quanto cristã e judaica;
- Ibn Árabi (1165-1240), o maior místico do Islã e também seu escritor mais prolixo, ao qual são atribuídas nada menos do que 270 obras;
- Ibn Batuta (m. 1377), viajante incansável, cujos relatos constituem excelente fonte documental sobre sua época;
- Ibn Khaldun (1332-1406), letrado e jurista, que deu à história o status de ciência independente.
Fundada por um profeta que não sabia ler nem escrever, a civilização muçulmana produziu uma das mais extraordinárias sínteses culturais da história, integrando em um corpo único toda a sabedoria do mundo antigo e acrescentando-lhe contribuições profundamente originais. O fervor suscitado pela mensagem muhammadiana submeteu ao Islã uma enorme extensão do planeta - da Espanha às fronteiras da China. Em muitos territórios, os conquistadores árabes repisaram caminhos trilhados pelos exércitos de Alexandre, o Grande. Séculos de intensas trocas haviam produzido nesse mundo helenizado um extraordinário amálgama cultural, trabalhado e retrabalhado por sucessivas gerações. Nele se interpenetraram e combinaram ingredientes místicos e filosóficos, científicos e artísticos, tecnológicos e artesanais, políticos e administrativos de todas as grandes culturas da Antigüidade: egípcia, síria, judaica, mesopotâmica, persa, grega, romana, indiana e até chinesa. Tal foi a herança que permitiu aos sábios muçulmanos produzirem uma civilização de extraordinário vigor. Mas, para que todos esses componentes se juntassem em um todo harmonioso, era necessário um elemento catalisador. E esse elemento catalisador possuía natureza espiritual.
Não é acidental que os maiores nomes da filosofia, da ciência e da arte islâmica tenham pertencido a confrarias de místicos sufis. De seu ponto de vista, a natureza inteira era uma teofania ou manifestação de Deus. Seus entes e eventos constituíam símbolos da presença divina - símbolos que cabia ao sábio decifrar. O que o motivava não era o desejo de subjugar a natureza, característico do cientista moderno, mas um impulso profundamente místico e amoroso, que o levava a estudar a criatura para se aproximar do Criador. Isso explica os elevados valores éticos do sábio muçulmano. E também seu interesse enciclopédico. Homens como Al-Farabi, Avicena e Ibn Árabi assimilaram todo o conhecimento disponível em sua época.
A ciência islâmica alcançou êxito notável em disciplinas tão variadas como a matemática, a astronomia, a física, a química, a medicina, a geografia, a história e a lingüística. E não se limitou a recolher e desenvolver saberes herdados de outras culturas, como a geometria grega e a aritmética indiana, mas aventurou-se também por domínios até então praticamente inexplorados. É o caso da álgebra, da trigonometria e da óptica. Some-se a isso um desenvolvimento tecnológico sem precedentes no mundo antigo, que se destinava a atender às necessidades ditadas por intenso processo de urbanização. Em pleno século X, enquanto as maiores cidades da Europa cristã não excediam a 30 ou 40 mil habitantes, Bagdá alcançava 1,5 milhão; o Cairo, cerca de meio milhão; e Damasco e Córdoba, em torno de 300 a 400 mil.
Esse precioso legado chegou à Europa cristã por meio de um complexo intercâmbio cultural, que as Cruzadas favoreceram em vez de dificultar. Foi ele que revitalizou o pensamento europeu e, direta ou indiretamente, criou as condições para a intensa fermentação intelectual do século XIII, em que brilham as figuras de Francisco de Assis e São Boaventura, Robert Grosseteste e Roger Bacon, Alberto Magno e Tomás de Aquino, Raimundo Lúlio e Mestre Eckhart. Quase 400 anos depois, a Revolução Científica, que deu à luz a ciência moderna, foi o fruto tardio, e um tanto desvirtuado, dessa exuberante árvore do conhecimento.

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