"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Os intelectuais e o Estado (Parte 01/05)

Grupo de intelectuais e artistas durante almoço oferecido a Portinari
- da esquerda para a direita: Cândido Portinari (5º), Rachel de Queirós (9º),
Mário de Andrade (12º), Manuel Bandeira (16º) e Roberto Burle Marx (19º), 1939.
Rio de Janeiro (RJ). (Projeto Portinari/AFRH33)

Após a Revolução de 1930, o Estado lançou as bases de uma política cultural que teve como marco inicial a criação do Ministério da Educação e se desdobrou na formação de diversos outros órgãos. Intelectuais das mais diversas formações e correntes de pensamento, como modernistas, positivistas, integralistas, católicos e socialistas participaram desse entrelaçamento entre cultura e política que caracterizou os anos 30, ocupando cargos-chaves na burocracia do Estado. Apresentando-se como uma elite capaz de "salvar" o país, os intelectuais reinterpretaram o passado, buscaram captar a realidade brasileira e construíram vários retratos do Brasil.
Já nos anos 20 o campo da arte e cultura era dominado por uma discussão sobre a identidade e os rumos da nação. A ideologia revolucionária formulada nos primeiros anos da Era Vargas veio revelar fortes pontos de contato com as propostas antiliberais desde então defendidas por intelectuais como Oliveira Viana, Azevedo Amaral e Francisco Campos, que se tornou o primeiro ministro da Educação.
Para esses autores, os principais responsáveis pela crise brasileira eram as oligarquias rurais que se haviam apoderado do Estado graças às deficiências do modelo de governo liberal-federalista introduzido pela Constituição de 1891, incapaz de resolver os problemas nacionais. A experiência liberal, não só brasileira, mas mundial, esgotara-se, e com ela instrumentos clássicos como os partidos políticos e o Congresso. Caberia ao governo central tomar as rédeas do poder e ditar as diretrizes do desenvolvimento brasileiro. Essas idéias eram compartilhadas pelas lideranças tenentistas, que no início do Governo Provisório ocupavam cargos estratégicos nos estados e na administração central.
Mas Vargas não se cercou apenas de "tenentes". Sua política cultural envolveu a nomeação de intelectuais para postos de destaque e a criação de diversos órgãos capazes de atraí-los para junto do governo. Assim, em 1930, o arquiteto Lúcio Costa foi indicado para a direção da Escola Nacional de Belas Artes. Manuel Bandeira foi convidado, em 1931, para presidir do Salão Nacional de Belas Artes. Em 1932, o escritor José Américo de Almeida assumiu a pasta da Viação e Obras Públicas. Gustavo Capanema foi nomeado em 1934 ministro da Educação e Saúde Pública, e convidou o poeta Carlos Drummond de Andrade para chefiar seu gabinete. Mário de Andrade iria assumir, em 1935, a direção do Departamento de Cultura da Municipalidade de São Paulo. Foi ele quem indicou, juntamente com Manuel Bandeira, o nome de Rodrigo Melo Franco de Andrade para organizar e dirigir o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, principal instituição de proteção dos bens culturais do país que seria criada logo após o golpe do Estado Novo.
O governo Vargas também tinha um grande projeto universitário. As primeiras iniciativas nessa área, contudo, não couberam ao governo federal: foram a Universidade de São Paulo, criada em 1934 por Armando Sales, e a Universidade do Distrito Federal, criada em 1935 por Pedro Ernesto. Data somente de julho de 1937 a lei de criação da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A participação dos intelectuais na vida nacional respaldava-se na crença de que eles eram uma elite capaz de "salvar" o país, pois estavam sintonizados com as novas tendências do mundo e atentos às diversas manifestações da cultura popular. Os artistas e intelectuais tratavam em suas obras das questões sociais que estavam na ordem do dia e participavam do debate político-ideológico entre a direita e a esquerda que mobilizava o mundo. Nos livros publicados por uma indústria editorial em expansão, aprofundava-se a temática da cultura negra, indígena e caipira. Através da literatura proletária e do romance regionalista fazia-se a crítica dos valores da sociedade patriarcal e oligárquica identificados com o tempo passado. Interessava agora retratar a vida do homem comum das cidades e dos sertões.
Em 1933, Gilberto Freyre publicou Casa Grande e Senzala, obra que modificava o enfoque da questão das raças formadoras do país e fazia a defesa da colonização portuguesa, expressa na idéia da democracia racial. Caio Prado Jr. escreveu Evolução política do Brasil, livro de orientação marxista que enfatizava a participação das camadas populares na história nacional. Em 1936, Sérgio Buarque de Holanda publicou Raízes do Brasil. Nessa obra o autor se contrapunha a Gilberto Freire ao ressaltar a necessidade de o país superar as raízes culturais portuguesas como condição para entrar na modernidade.
Na década de 1930 houve um debate intelectual e político sobre que matriz regional expressaria melhor a nacionalidade. Além da sociedade nordestina retratada por Gilberto Freyre, tinha-se nos textos de Cassiano Ricardo a defesa da sociedade bandeirante como modelo para a democracia brasileira. Alceu Amoroso Lima, por sua vez, apontava na sociedade mineira traços do espírito de família e de religiosidade que seriam os verdadeiros valores da civilização brasileira.
Após a Revolução de 1930 observou-se uma tendência de diversificação cultural e, ao mesmo tempo, de integração política nacional, que permitiu realizar aspirações já formuladas nos anos 20. A cultura se beneficiou das mudanças na educação, na literatura e nos estudos brasileiros, assim como da melhoria da qualidade do livro e do crescimento do mercado editorial.

Fonte: CPDOC/FGV

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