"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Dois círculos culturais (Parte 05/08)


JESUS - (Páginas 174-176.)

OK, Sofia. Suponho que você esteja conseguindo me acompanhar. As palavras-chaves neste contexto são “Messias”, “Filho de Deus”, “Redenção” e “Reino de Deus”. No início, tudo isto tinha um significado político. Mesmo na época de Jesus, muitos imaginavam o novo Messias como um líder político, militar e religioso do mesmo calibre do rei Davi. Quer dizer, o “redentor” era visto por todos como um libertador nacional, que teria vindo para pôr fim aos sofrimentos dos judeus sob a dominação dos romanos.
Mas outras vozes também se ergueram. Duzentos anos antes do nascimento de Jesus, outros profetas já haviam anunciado que o Messias prometido seria o redentor de todo o mundo. Ele não apenas libertaria os israelitas do jugo de outros povos, mas viria para redimir todos os homens do pecado, da culpa e também da morte. A esperança de uma redenção neste sentido da palavra há havia se espalhado por todo o mundo helenístico.
E então aparece Jesus. Ele não é o único que aparece como o Messias prometido; e, como muitos outros, também ele usa as expressões “Filho de Deus”, “Reino de Deus”, “Messias” e “Redenção”. Assim procedendo, Jesus alinha-se às antigas profecias. Ele vai para Jerusalém e se deixa aclamar pelas massas como o salvador do povo. Desta forma, ele retoma a antiga tradição dos reis, que eram entronizados através de um típico “ritual de acesso ao trono”. Jesus também se permite ser ungido pelo povo. “É chegada a hora”, disse ele. “O Reino de Deus está próximo.”
É muito importante gravar todas essas coisas. Mas o mais importante vem agora: o que diferenciava Jesus dos demais profetas que diziam ser o Messias era o fato de ele admitir publicamente que não era um comandante militar ou político. Sua tarefa era muito maior. Ele pregava a redenção e o perdão de Deus para todos os homens. E é por isso que ele podia caminhar por entre as pessoas e dizer: “Teus pecados estão perdoados”. Dizer abertamente essas coisas era algo jamais visto. Por esta razão não demorou muito tempo para que entre os escribas se levantassem protestos contra Jesus. Por fim, esses escribas também se puseram a trabalhar no processo de acusação e execução de Jesus.
Vou tentar ser mais exato: no tempo de Jesus, muitas pessoas esperavam por um Messias que restaurasse o Reino de Deus sob o rufar de tambores e o som de trombetas (quer dizer, a ferro e fogo). A expressão “Reino de Deus” está presente em todas as pregações de Jesus, só que num sentido muito mais abrangente. Jesus dizia que o Reino de Deus era o amor aos semelhantes, a compaixão pelos fracos e o perdão para todos os que tinham errado.
Vemos aqui uma dramática alteração no sentido de uma antiga expressão de cunho militar. As pessoas esperavam, portanto, por um general que proclamasse um Reino de Deus. E então aparece Jesus trajando uma túnica, usando sandálias, e diz que o Reino de Deus ou “a nova aliança” significa “Amar o teu próximo como a ti mesmo”. E mais ainda, Sofia. Jesus também disse que devemos amar nossos inimigos e quando eles nos esbofeteiam não devemos pagar-lhes na mesma moeda, mas oferecer-lhes a outra face. E que temos de perdoar; não sete vezes, mas sete vezes setenta.
Através dos atos de sua própria vida, Jesus também mostrou que não considerava indigno de si conversar com prostitutas, funcionários corruptos e inimigos políticos do povo. Mas ele vai mais além: ele diz que um perdulário que gastou todo o dinheiro que herdou, ou um funcionário do Estado que se apoderou de dinheiro público será visto por Deus como um homem reto e justo, bastando para isto que se voltem para Ele e Lhe peçam perdão. Tão generoso é Deus na sua misericórdia.
Mas ele vai mais além ainda, Sofia, e é preciso que você grave bem isto: Jesus disse que esses “pecadores” eram mais retos aos olhos de Deus – e, portanto, mereciam mais o seu perdão – do que os irrepreensíveis fariseus, orgulhosos de sua própria excelência.
Jesus enfatizava que nenhuma pessoa pode obter, ela mesma, a graça de Deus. Nós mesmos não podemos nos redimir (como acreditavam muitos gregos!). No Sermão da Montanha, quando Jesus estabelece seus rígidos princípios éticos, ele não o faz apenas porque quer mostrar a vontade de Deus. Ele também quer mostrar que nenhuma pessoa é reta perante os olhos de Deus. Isto é, a graça de Deus não tem limites, mas somos nós que temos de nos voltar a Ele e Lhe suplicar o perdão através de orações.
Outras explicações sobre a pessoa de Jesus e seus ensinamentos eu deixo para o seu professor de religião. Com isto ele terá bastante trabalho. Espero que ele possa mostrar a vocês que Jesus foi um ser humano extraordinário. Ele soube usar de forma genial a língua de seu tempo e deu a conceitos e palavras-chaves antigos um sentido novo, extremamente ampliado. Não é de admirar, portanto, que ele tenha acabado na cruz. Sua mensagem radical sobre a redenção dos homens ameaçava tantos interesses e posições de poder que ele tinha de ser eliminado.
Quando falamos sobre Sócrates, vimos o quanto pode ser perigoso apelar à razão das pessoas. No caso de Jesus, vemos como pode ser perigoso exigir dos outros um amor assim tão incondicional pelo próximo e uma capacidade de perdoar igualmente incondicional. Ainda hoje vemos como nações poderosas ameaçam desmoronar diante de exigências simples tais como paz, amor, comida para os pobres e anistia para os inimigos do Estado.
Você ainda deve estar lembrada de como Platão ficou furioso com o fato de o homem mais justo de Atenas ter tido de pagar sua conduta com a própria vida. Para o cristianismo, Jesus foi o único homem justo que viveu. Não obstante, foi condenado à morte. Para o cristianismo, portanto, ele morreu pelos homens. E “sofreu no lugar dos homens”, como se costuma dizer. Jesus foi o “servo que sofreu” e que tomou para si toda a culpa dos homens, a fim de nos reconciliar com Deus e nos salvar de Seu castigo.

0 Response to "Dois círculos culturais (Parte 05/08)"