"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

O Helenismo (Parte 07/07)

Místico cristão Ângelus Silesius

MISTICISMO - (Páginas 154-155.)

Uma experiência mística significa sentir-se um só com Deus ou com a “alma do universo”. Em muitas religiões, diz-se que há um abismo entre Deus e sua criação. O místico, porém, não conhece este abismo. O que ele – ou ela – conhece é uma “elevação a Deus”.
Trata-se do seguinte: aquilo que geralmente chamamos de “eu” não é nosso eu verdadeiro. Em poucos e efêmeros momentos podemos experimentar a sensação de nos identificarmos com um eu muito maior. Alguns místicos chamam este eu maior de Deus, outros de “espírito cósmico”, outros de “natureza cósmica”, outros ainda de “universo”. Nessa identificação, nessa fusão, o místico experimenta a sensação de “perder-se a si mesmo”: ele desaparece – ou se perde – em Deus, como uma gota d’água “se perde” quando se mistura à água do mar. Certa vez, um místico indiano expressou assim essa experiência: “Quando eu era, Deus não era. Agora Deus é, e eu não sou mais”. O místico cristão Ângelus Silesius (1624-1677) disse: “A pequena gota se transforma em mar quando chega até ele; e assim a alma se transforma em Deus quando é nele acolhida”.
Talvez você não ache muito confortável a idéia de “perder-se a si mesma”, Sofia. E eu entendo você. Mas o ponto é o seguinte: o que se perde é infinitamente menor do que aquilo que se ganha. Você se perde nesta forma que você tem agora, mas ao mesmo tempo compreende que você é algo infinitamente maior. Você é o universo inteiro. Sim, você é o espírito cósmico, querida Sofia. Você é Deus. Se para isto você tem de perder-se enquanto Sofia Amundsen, então talvez sirva de consolo o reconhecimento de que um dia você terá de perder este “eu cotidiano”, de uma forma ou de outra. Para os místicos, o seu verdadeiro eu, que você só poderá experimentar se conseguir se libertar de si mesma, é o fogo misterioso que queima para toda a eternidade.
Só que tal experiência mística nem sempre ocorre espontaneamente. Com freqüência, o místico tem de percorrer “o caminho da purificação e da iluminação”, a fim de poder se encontrar com Deus. Este caminho consiste na meditação e numa vida extremamente simples. Ao fim da jornada, porém, o místico chega a seu objetivo e pode dizer: “Eu sou Deus! Eu sou Você!”.
Encontramos vertentes místicas em todas as grandes religiões do mundo. E tudo o que os místicos escrevem sobre suas experiências apresenta visíveis semelhanças, a despeito de todas as diferenças culturais. Somente quando o místico tenta uma interpretação religiosa ou filosófica para sua experiência mística é que se evidencia o pano de fundo cultural.
Na mística ocidental – quer dizer, no judaísmo, no cristianismo e no islamismo -, o místico afirma que seu encontro é com um Deus pessoal. Embora Deus esteja presente na natureza e na alma humana, ele também está muito além e muito acima deste mundo. Na mística oriental – isto é, no hinduísmo, no budismo e na religião chinesa -, o que se afirma é que o místico experimenta uma fusão total com um Deus que é o “espírito cósmico”. O místico pode dizer “Eu sou o espírito cósmico”, ou então “Eu sou Deus”. Pois Deus não está apenas presente no mundo; ele não tem outro lugar para estar.
Na Índia, sobretudo, já havia várias e fortes correntes místicas muito antes de Platão. Swami Vivekananda, que contribuiu para trazer ao Ocidente os pensamentos do hinduísmo, disse certa vez: “Assim como certas religiões do mundo chamam de ateus os homens que não acreditam num Deus pessoal além de si mesmos, dizemos que é ateu aquele que não acredita em si mesmo. Não acreditar no esplendor da própria alma: isto é o que chamamos de ateísmo”.
Uma experiência mística também pode ser de importância para a ética. Um antigo presidente indiano, Radhakrishnan, disse certa vez: “Ama o teu próximo como a ti mesmo, pois tu és o teu próximo. É ilusão acreditar que teu próximo é outro, e não tu”.
Pessoas de nossa época, que não pertencem a determinada religião, têm relatado experiências místicas. De repente elas experimentam algo que chamam de “consciência cósmica” ou “sentimento oceânico”: sentem-se como que arrancadas do tempo e experimentam o mundo “da perspectiva da eternidade”.

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