"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Queda de Vargas e o fim do Estado Novo (Parte 01/06)

Bustos de Getúlio Vargas sendo retirados das ruas, 1945.
(CPDOC/ GV foto 148)

Para o Estado Novo, a entrada do Brasil na guerra ao lado dos Aliados teve efeitos contraditórios. De um lado, o regime ganhou tempo. O estado de guerra representava um bom argumento para o governo adiar por tempo indeterminado a consulta popular que deveria validar a Constituição de 1937. De outro, a opção por lutar contra o nazi-fascismo colocou em xeque a manutenção de uma ditadura no país. As oposições procuraram aproveitar o desgaste do governo decorrente dessa contradição para retomar a iniciativa. Foi nesse quadro de redefinições que o Estado Novo entrou em crise e finalmente caiu em outubro de 1945.
A partir de 1942, o governo Vargas começou a se movimentar no sentido de preparar a transição controlada de um Estado autoritário para um regime mais aberto. Não por acaso, naquele ano o ministro do Trabalho Marcondes Filho iniciou uma campanha de popularização da figura de Vargas nos meios de comunicação, principalmente através do programa radiofônico "Hora do Brasil". O objetivo era assegurar maior base de apoio para o governo entre as classes trabalhadoras. Esta era também a raiz da preocupação de consolidar os direitos sociais e trabalhistas, expressa em medidas aprovadas em 1943 como a CLT e o aumento do salário mínimo.
Mas a transformação do Estado Novo passava também pela formulação de uma estratégia para enfrentar a questão político-eleitoral. No interior do governo, surgiram propostas variadas, todas preocupadas em criar mecanismos de transição seguros que mudassem o regime mas mantivessem o poder nas mãos de Vargas. Uma alternativa aventada foi a de se promover eleições imediatamente, com base nas entidades de classe existentes, em geral dominadas pelo próprio governo. Vargas, no entanto, procurou não se precipitar e aguardou o rumo dos acontecimentos nos planos externo e interno.
A partir de 1943 a oposição passou a se movimentar com maior desenvoltura, a despeito da ação da censura e de outros órgãos repressivos. Durante todo o ano sucederam-se passeatas de estudantes, promovidas pela UNE, contra o nazi-fascismo. Em outubro, importantes lideranças civis e liberais de Minas Gerais lançaram um documento contestando o regime ditatorial conhecido como o Manifesto dos Mineiros. O governo reagiu punindo vários dos signatários, acusados de insuflar "nosso pior inimigo: as divergências internas". Vargas prometeu a normalização da vida política do país para logo após o fim da guerra, em "ambiente próprio de paz e ordem".
A tensão política manteve-se no ano seguinte. Tornou-se muito difícil para o governo conservar unida a sua base de sustentação no momento em que se abria a possibilidade de retorno ao regime da competição política. As dissensões internas tornaram-se inevitáveis. Um exemplo foi a renúncia do ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, após o fechamento pelo governo de um organismo de apoio aos Aliados - a Sociedade Amigos da América.. Apesar de tudo, o governo continuou apostando na estratégia da candidatura única de Vargas nas futuras eleições presidenciais. Durante todo o ano, Marcondes Filho tratou de intensificar sua campanha de enaltecimento da figura de Vargas no rádio.
As oposições, por seu lado, partiram para uma atuação mais agressiva e começaram a costurar alianças com um ator que ganhava cada vez mais prestígio naqueles anos de guerra: os militares. Em outubro de 1944, a candidatura presidencial do brigadeiro Eduardo Gomes, herói dos 18 do forte, começou a ser articulada nos meios militares e civis. Em janeiro de 1945, no I Congresso Brasileiro de Escritores, intelectuais de renome defenderam a imediata redemocratização do país. Em fevereiro, a imprensa resolveu desconhecer a censura oficial e publicou uma entrevista com José Américo de Almeida defendendo eleições livres e apresentando Eduardo Gomes como candidato das oposições.
Para fazer frente às pressões e romper o isolamento político, ainda em fevereiro o governo resolveu baixar a Lei Constitucional nº 9, que previa a realização de eleições em data a ser marcada 90 dias depois. Era o primeiro passo para a redemocratização do país. Em maio foi decretado o Código Eleitoral: as eleições para a presidência da República e para o Parlamento Nacional seriam realizadas no dia 2 de dezembro daquele ano, e em maio de 1946 se realizariam as eleições para os governos e assembléias estaduais. De acordo com as regras do jogo, Vargas poderia concorrer às eleições, desde que se desincompatibilizasse do cargo três meses antes do pleito. O presidente, no entanto, afirmava que não tinha interesse em permanecer no poder.

Fonte: CPDOC/FGV

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