"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

O fechamento do regime (mais ainda!)


A esquerda voltava a crescer no Brasil. Nas ruas, as passeatas contra o regime militar começavam a reunir milhares de pessoas em quase todas as capitais. Diante disso, a direita mais selvagem partiu para suas habituais covardias. Aliás, covardia era a especialidade da organização terrorista de direita CCC (Comando de Caça aos Comunistas). O nome já diz tudo. Consideravam que a esquerda era feita por mamíferos a serem abatidos. Os trogloditas, então, atacaram os atores da peça Roda Viva, de Chico Buarque, em São Paulo. Surraram todo mundo, inclusive a atriz Marília Pêra. Depois, metralharam a casa do arcebispo D. Hélder Câmara, em Recife (alguns membros da Igreja Católica estavam deixando de bajular o regime). Em São Paulo, os filhinhos-de-papai da Universidade Mackenzie (onde nasceu o CCC) agrediam os estudantes da USP, na rua Maria Antônia, valendo desde pedradas até tiros de revólver.  

De acordo com o jornalista Zuenir Ventura, o fanático brigadeiro João Paulo Burnier elaborou um plano criminoso, o Para-Sar. Uma loucura: os pára-quedistas da aeronáutica, secretamente, pegariam os inimigos do regime e jogariam do avião no mar alto, a uns 40 quilômetros da costa. Além disso, havia o projeto de explodir o gasômetro do Rio de Janeiro, começo da avenida Brasil, área industrial e de trânsito engarrafado. Morreriam umas 10 mil pessoas queimadas. Tragédia nacional. Burnier botaria a culpa nos comunistas e, com a população querendo o linchamento dos responsáveis, prenderia os esquerdistas e os executaria sumariamente. Que coisa diabólica, não? Só não se concretizou graças à bravura e ao patriotismo de um militar da aeronáutica: o grande brasileiro capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, o Sérgio Macaco. A operação teve de ser cancelada. Mas o capitão Sérgio foi afastado da Aeronáutica.
A greve operária de Contagem terminou com acordo salarial entre patrões e empregados, mas em Osasco a coisa foi diferente. Ela tinha sido bem melhor preparada, inclusive com participação de estudantes esquerdistas na organização do movimento. O governo então falou grosso. O sindicato dos metalúrgicos foi invadido e o presidente, José Ibraim, teve de se esconder da polícia. O exército preparou uma operação de guerra e ocupou as instalações industriais. A partir daí, quem fizesse gracinha de greve teria de enfrentar os blindados e fuzis automáticos. Ou seja, as greves acabaram.
Contra os meninos e meninas do movimento estudantil, foram lançados homens armados até os dentes. Agora passeata começava a ser dissolvida a bala. No Calabouço, um restaurante carioca frequentado por estudantes, a polícia militar assassinou um rapaz, Édson Luís. Nem a missa de sétimo dia, na catedral da Candelária, foi respeitada pela polícia, que baixou o sarrafo nas pessoas que saíam do templo. Em resposta, a maior passeata já vista na avenida Rio Branco: a célebre Passeata dos Cem Mil (26/6/1968). Era a multidão, bonita, vigorosa, olhando para a vida, exigindo a mudança.
Os militares estavam apavorados. Até onde aquilo tudo iria levar? Concluíram que precisavam endurecer mais ainda o regime. E endureceram. As passeatas de estudantes passaram a ser reprimidas pelas próprias Forças Armadas e muitos estudantes foram baleados. Agora, em vez do cassetete, vinha o fuzil automático. O congresso secreto da UNE, em Ibiúna (SP) foi dissolvido, com 1240 estudantes presos.
O pior estava por vir. Faltava só o pretexto.
No Congresso Nacional, o jovem deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, fez um discurso em que recomendava que as mulheres não namorassem os militares envolvidos com as violências do regime. O que seria do país, se os oficiais não namorassem? Ficariam com o fuzil na mão? Os generais exigiram sua punição, mas o Congresso não permitiu.
Foi, então, que saiu o Ato Institucional nº 5, o AI-5, numa sexta-feira, 13 de dezembro de 1968. Claro que o caso do deputado era só desculpa. Tratava-se, na verdade, de aumentar a repressão e silenciar os opositores.
O AI-5 foi o principal instrumento de arbítrio da ditadura militar. Com ele, o general-presidente poderia, sem dar satisfações a ninguém, fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos de parlamentares (isto é, excluir o político do cargo que ocupava, fosse senador, governador, deputado etc.), demitir juízes, suspender garantias do Poder Judiciário, legislar por decretos, decretar estado de sítio, enfim, ter poderes tão vastos como os dos tiranos.
Tem gente que chega a falar do “golpe dentro do golpe”. Se a ditadura já era ruim, agora ela piorava. E muito!

Fontes bibliográficas:

História do Brasil – Luiz Koshiba – Ed. Atual
História Crítica do Brasil – Mário Schmidt – Ed. Novos Tempos

História do Brasil – Boris Fausto – Ed. Difel

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