"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Vida e morte


Vida e morte não são, para nós humanos, simples acontecimentos biológicos. Como disse um filósofo, as coisas aparecem e desaparecem, os animais começam e acabam, somente o ser humano vive e morre, isto é, existe. Vida e morte são acontecimentos simbólicos, são significações, possuem sentido e fazem sentido.
Viver e morrer são a descoberta da finitude humana, de nossa temporalidade e de nossa identidade: uma vida é minha e minha, a morte. Esta, e somente ela, completa o que somos, dizendo o que fomos. Por isso, os filósofos estoicos propunham que somente após a morte, quando terminam as vicissitudes da vida, podemos afirmar que alguém foi feliz ou infeliz. Enquanto vivos, somos tempo e mudança, estamos sendo. Os filósofos existencialistas disseram: a existência precede a essência, significando com isso que nossa essência é a síntese final do todo de nossa existência. “Quem não souber morrer bem terá vivido mal”, afirmou Sêneca.

Liberdade e possibilidade objetiva


O possível não é o provável. Este é o previsível, isto é, algo que podemos calcular e antever, porque é uma probabilidade contida nos fatos e nos dados que analisamos. O possível, porém, é aquilo criado pela nossa própria ação. É o que vem à existência graças ao nosso agir. No entanto, não surge como “árvore milagrosa” e sim como aquilo que as circunstâncias abriram para nossa ação. A liberdade é a consciência simultânea das circunstâncias existentes e das ações que, suscitadas por tais circunstâncias, nos permitem ultrapassá-las.
Nosso mundo, nossa vida e nosso presente formam um campo de condições e circunstâncias que não foram escolhidas e nem determinadas por nós e em cujo interior nos movemos. No entanto, esse campo é temporal: teve um passado, tem um presente e terá um futuro, cujos vetores ou direções já podem ser percebidos ou mesmo adivinhados como possibilidades objetivas. Diante desse campo, poderíamos assumir duas atitudes: ou a ilusão de que somos livres para mudá-lo em qualquer direção que desejarmos, ou a resignação de que nada podemos fazer.  

Três grandes concepções filosóficas da liberdade


Na história das ideias ocidentais, necessidade e contingência foram representadas por figuras míticas. A primeira, pelas três Parcas ou Moiras, representando a fatalidade, isto é, o destino inelutável de cada um de nós, do nascimento à morte. Uma das Parcas ou Moiras era representada fiando o fio de nossa vida, enquanto a outra o tecia e a última o cortava, simbolizando nossa morte. A contingência (ou o acaso) era representada pela Fortuna, mulher volúvel e caprichosa, que trazia nas mãos uma roda, fazendo-a girar de tal modo que quem estivesse no alto (a boa fortuna ou boa sorte) caísse (infortúnio ou má sorte) e quem estivesse embaixo fosse elevado. Inconstante, incerta e cega, a roda da Fortuna era a pura sorte, boa ou má, contra a qual nada se poderia fazer, como na música de Chico Buarque: “Eis que chega a roda-viva, levando a saudade pra lá”.
As teorias éticas procuraram sempre enfrentar o duplo problema da necessidade e da contingência, definindo o campo da liberdade possível.  

A liberdade como problema


A torneira seca
(mas pior: a falta
de sede)

A luz apagada
(mas pior: o gosto
do escuro)

A porta fechada
(mas pior: a chave
por dentro).


Este poema de José Paulo Paes nos fala, de forma extremamente concentrada e precisa, do núcleo da liberdade e de sua ausência. O poeta lança um contraponto entre uma situação externa experimentada como um dado ou como um fato (a torneira seca, a luz apagada, a porta fechada) e a inércia resignada no interior do sujeito (a falta de sede, o gosto do escuro, a chave por dentro). O contraponto é feito pela expressão “mas pior”. Que significa ela? Que diante da adversidade, renunciamos a enfrentá-la, fazemo-nos cúmplices dela e é isso o pior. Pior é a renúncia à liberdade. Secura, escuridão e prisão deixam de estar fora de nós, para se tornarem nós mesmos, com nossa falta de sede, nosso gosto do escuro e nossa falta de vontade de girar a chave.  

Ética e psicanálise


Quando estudamos o sujeito do conhecimento vimos que a psicanálise introduzia um conceito novo, o inconsciente, que limitava o poder soberano da razão e da consciência, além de descortinar a sexualidade como força determinante de nossa existência, nosso pensamento e nossa conduta.
No caso da ética, a descoberta do inconsciente traz conseqüências graves tanto para as ideias de consciência responsável e vontade livre quanto para os valores morais.
De fato, se, como revela a psicanálise, somos nossos impulsos e desejos inconscientes e se estes desconhecem barreiras e limites para a busca da satisfação e, sobretudo, se conseguem a satisfação burlando e enganando a consciência, como, então, manter, por exemplo, a ideia de vontade livre que age por dever? Por outro lado, se o que se passa em nossa consciência é simples efeito disfarçado de causas inconscientes reais e escondidas, como falar em consciência responsável? Como a consciência poderia responsabilizar-se pelo que desconhece e que jamais se torna consciente?  

Ética das emoções e do desejo


O racionalismo ético não é a única concepção filosófica da moral. Uma outra concepção filosófica é conhecida como emotivismo ético.
Para o emotivismo ético, o fundamento da vida moral não é a razão, mas a emoção. Nossos sentimentos são causas das normas e dos valores éticos. Inspirando-se em Rousseau, alguns emotivistas afirmam a bondade natural de nossos sentimentos e nossas paixões, que são, por isso, a forma e o conteúdo da existência moral como relação intersubjetiva e interpessoal. Outros emotivistas salientam a utilidade dos sentimentos ou das emoções para nossa sobrevivência e para nossas relações com os outros, cabendo à ética orientar essa utilidade de modo a impedir a violência e garantir relações justas entre os seres humanos.
Há ainda uma outra concepção ética, francamente contrária à racionalista (e, por isso, muitas vezes chamada de irracionalista), que contesta à razão o poder e o direito de intervir sobre o desejo e as paixões, identificando a liberdade com a plena manifestação do desejante e do passional. Essa concepção encontra-se em Nietzsche e em vários filósofos contemporâneos.  

Razão, desejo e vontade


A tradição filosófica que examinamos até aqui constitui o racionalismo ético, pois atribui à razão humana o lugar central na vida ética. Duas correntes principais formam a tradição racionalista: aquela que identifica razão com inteligência, ou intelecto – corrente intelectualista – e aquela que considera que, na moral, a razão identifica-se com a vontade – corrente voluntarista.
Para a concepção intelectualista, a vida ética ou vida virtuosa depende do conhecimento, pois é somente por ignorância que fazemos o mal e nos deixamos arrastar por impulsos e paixões contrários à virtude e ao bem. O ser humano, sendo essencialmente racional, deve fazer com que sua razão ou inteligência (o intelecto) conheça os fins morais, os meios morais e a diferença entre bem e mal, de modo a conduzir a vontade no momento da deliberação e da decisão. A vida ética depende do desenvolvimento da inteligência ou razão, sem a qual a vontade não poderá atuar.  

História e virtudes


Viemos observando que os valores morais modificam-se na História porque seu conteúdo é determinado por condições históricas. Podemos comprovar a determinação histórica do conteúdo dos valores, examinando as virtudes definidas em diferentes épocas.
Se tomarmos a Ética a Nicômaco, de Aristóteles, nela encontraremos a síntese das virtudes que constituíam a arete (a virtude ou excelência ética) e a moralidade grega durante o tempo em que a polis autônoma foi a referência social da Grécia.
Aristóteles distingue vícios e virtudes pelo critério do excesso, da falta e da moderação: um vício é um sentimento ou uma conduta excessivos, ou, ao contrário, deficientes; uma virtude, um sentimento ou uma conduta moderados.  

Cultura e dever


Rousseau e Kant procuraram conciliar o dever e a ideia de uma natureza humana que precisa ser obrigada à moral. No entanto, ao enfatizarem a questão da natureza (Natureza e natureza humana), tenderam a perder de vista o problema da relação entre o dever e a Cultura, pois poderíamos repetir, agora, a pergunta que fizemos antes: Se a ética exige um sujeito consciente e autônomo, como explicar que a moral exija o cumprimento do dever, definido como um conjunto de valores, normas, fins e leis estabelecidos pela Cultura? Não estaríamos de volta ao problema da exterioridade entre o sujeito e o dever? A resposta a essa questão foi trazida, no século XIX, por Hegel.
Hegel critica Rousseau e Kant por dois motivos. Em primeiro lugar, por terem dado atenção à relação sujeito humano-Natureza (a relação entre razão e paixões), esquecendo a relação sujeito humano-Cultura e História. Em segundo lugar, por terem admitido a relação entre a ética e a sociabilidade dos seres humanos, mas tratando-a a partir de laços muito frágeis, isto é, como relações pessoais diretas entre indivíduos isolados ou independentes, quando deveriam tê-la tomado a partir dos laços fortes das relações sociais, fixadas pelas instituições sociais (família, sociedade civil, Estado). As relações pessoais entre indivíduos são determinadas e mediadas por suas relações sociais. São estas últimas que determinam a vida ética ou moral dos indivíduos. 

Natureza humana e dever


O cristianismo introduz a ideia do dever para resolver um problema ético, qual seja, oferecer um caminho seguro para nossa vontade, que, sendo livre, mas fraca, sente-se dividida entre o bem e o mal. No entanto, essa ideia cria um problema novo. Se o sujeito moral é aquele que encontra em sua consciência (vontade, razão, coração) as normas da conduta virtuosa, submetendo-se apenas ao bem, jamais submetendo-se a poderes externos à consciência, como falar em comportamento ético por dever? Este não seria o poder externo de uma vontade externa (Deus), que nos domina e nos impõe suas leis, forçando-nos a agir em conformidade com regras vindas de fora de nossa consciência?
Em outras palavras, se a ética exige um sujeito autônomo, a ideia de dever não introduziria a heteronomia, isto é, o domínio de nossa vontade e de nossa consciência por um poder estranho a nós?
Um dos filósofos que procuraram resolver essa dificuldade foi Rousseau, no século XVIII. Para ele, a consciência moral e o sentimento do dever são inatos, são “a voz da Natureza” e o “dedo de Deus” em nossos corações. Nascemos puros e bons, dotados de generosidade e de benevolência para com os outros. Se o dever parece ser uma imposição e uma obrigação externa, imposta por Deus aos humanos, é porque nossa bondade natural foi pervertida pela sociedade, quando esta criou a propriedade privada e os interesses privados, tornando-nos egoístas, mentirosos e destrutivos.
O dever simplesmente nos força a recordar nossa natureza originária e, portanto, só em aparência é imposição exterior. Obedecendo ao dever (à lei divina inscrita em nosso coração), estamos obedecendo a nós mesmos, aos nossos sentimentos e às nossas emoções e não à nossa razão, pois esta é responsável pela sociedade egoísta e perversa.  

O cristianismo: interioridade e dever


Diferentemente de outras religiões da Antiguidade, que eram nacionais e políticas, o cristianismo nasce como religião de indivíduos que não se definem por seu pertencimento a uma nação ou a um Estado, mas por sua fé num mesmo e único Deus. Em outras palavras, enquanto nas demais religiões antigas a divindade se relacionava com a comunidade social e politicamente organizada, o Deus cristão relaciona-se diretamente com os indivíduos que nele creem. Isso significa, antes de qualquer coisa, que a vida ética do cristão não será definida por sua relação com a sociedade, mas por sua relação espiritual e interior com Deus. Dessa maneira, o cristianismo introduz duas diferenças primordiais na antiga concepção ética:  

Ética ou filosofia moral


Toda cultura e cada sociedade institui uma moral, isto é, valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta, válidos para todos os seus membros. Culturas e sociedades fortemente hierarquizadas e com diferenças muito profundas de castas ou de classes podem até mesmo possuir várias morais, cada uma delas referida aos valores de uma casta ou de uma classe social.
No entanto, a simples existência da moral não significa a presença explícita de uma ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta, problematize e interprete o significado dos valores morais. Podemos dizer, a partir dos textos de Platão e de Aristóteles, que, no Ocidente, a ética ou filosofia moral inicia-se com Sócrates.  

Lição de vida (Uma): o aluno - [2009] - 120 min.


Maruge lutou pela liberdade de seu país, foi preso e torturado. Aos 83 anos, se fazendo valer de um discurso do Presidente do Quênia que garante educação para todos, Maruge decide se matricular numa escola primária. Como a escola possui mais crianças do que sua estrutura precária suporta, sua matrícula é negada e ele precisa insistir muito até ser aceito. Porém, ao começar a estudar, a atitude de Maruge gera revolta e indignação na comunidade, colocando sua segurança em risco.

Os intocáveis - 118 min.


Philippe (François Cluzet) é um aristocrata rico que, após sofrer um grave acidente, fica tetraplégico. Precisando de um assistente, ele decide contratar Driss (Omar Sy), um jovem problemático que não tem a menor experiência em cuidar de pessoas no seu estado. Aos poucos ele aprende a função, apesar das diversas gafes que comete. Philippe, por sua vez, se afeiçoa cada vez mais a Driss por ele não tratá-lo como um pobre coitado. Aos poucos a amizade entre eles se estabelece, com cada um conhecendo melhor o mundo do outro.

Histórias Cruzadas - [2011] - 146 min.


Jackson, pequena cidade no estado do Mississipi, anos 60. Skeeter (Emma Stone) é uma garota da sociedade que retorna determinada a se tornar escritora. Ela começa a entrevistar as mulheres negras da cidade, que deixaram suas vidas para trabalhar na criação dos filhos da elite branca, da qual a própria Skeeter faz parte. Aibileen Clark (Viola Davis), a empregada da melhor amiga de Skeeter, é a primeira a conceder uma entrevista, o que desagrada a sociedade como um todo. Apesar das críticas, Skeeter e Aibileen continuam trabalhando juntas e, aos poucos, conseguem novas adesões.

Os constituintes do campo ético


Para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente, isto é, aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e errado, permitido e proibido, virtude e vício. A consciência moral não só conhece tais diferenças, mas também reconhece-se como capaz de julgar o valor dos atos e das condutas e de agir em conformidade com os valores morais, sendo por isso responsável por suas ações e seus sentimentos e pelas conseqüências do que faz e sente. Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis da vida ética.
A consciência moral manifesta-se, antes de tudo, na capacidade para deliberar diante de alternativas possíveis, decidindo e escolhendo uma delas antes de lançar-se na ação. Tem a capacidade para avaliar e pesar as motivações pessoais, as exigências feitas pela situação, as conseqüências para si e para os outros, a conformidade entre meios e fins (empregar meios imorais para alcançar fins morais é impossível), a obrigação de respeitar o estabelecido ou de transgredi-lo (se o estabelecido for imoral ou injusto).  

Ética e violência


Quando acompanhamos a história das ideias éticas, desde a Antiguidade clássica (greco-romana) até nossos dias, podemos perceber que, em seu centro, encontra-se o problema da violência e dos meios para evitá-la, diminuí-la, controlá-la. Diferentes formações sociais e culturais instituíram conjuntos de valores éticos como padrões de conduta, de relações intersubjetivas e interpessoais, de comportamentos sociais que pudessem garantir a integridade física e psíquica de seus membros e a conservação do grupo social.
Evidentemente, as várias culturas e sociedades não definiram e nem definem a violência da mesma maneira, mas, ao contrário, dão-lhe conteúdos diferentes, segundo os tempos e os lugares. No entanto, malgrado as diferenças, certos aspectos da violência são percebidos da mesma maneira, nas várias culturas e sociedades, formando o fundo comum contra o qual os valores éticos são erguidos. Fundamentalmente, a violência é percebida como exercício da força física e da coação psíquica para obrigar alguém a fazer alguma coisa contrária a si, contrária aos seus interesses e desejos, contrária ao seu corpo e à sua consciência, causando-lhe danos profundos e irreparáveis, como a morte, a loucura, a auto-agressão ou a agressão aos outros.  

Juízo de fato e de valor


Se dissermos: “Está chovendo”, estaremos enunciando um acontecimento constatado por nós e o juízo proferido é um juízo de fato. Se, porém, falarmos: “A chuva é boa para as plantas” ou “A chuva é bela”, estaremos interpretando e avaliando o acontecimento. Nesse caso, proferimos um juízo de valor.
Juízos de fato são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e por que são. Em nossa vida cotidiana, mas também na metafísica e nas ciências, os juízos de fato estão presentes. Diferentemente deles, os juízos de valor - avaliações sobre coisas, pessoas e situações - são proferidos na moral, nas artes, na política, na religião.
Juízos de valor avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, intenções e decisões como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis.  

Senso moral e consciência moral


Muitas vezes, tomamos conhecimento de movimentos nacionais e internacionais de luta contra a fome. Ficamos sabendo que, em outros países e no nosso, milhares de pessoas, sobretudo crianças e velhos, morrem de penúria e inanição. Sentimos piedade. Sentimos indignação diante de tamanha injustiça (especialmente quando vemos o desperdício dos que não têm fome e vivem na abundância). Sentimos responsabilidade. Movidos pela solidariedade, participamos de campanhas contra a fome. Nossos sentimentos e nossas ações exprimem nosso senso moral.
Quantas vezes, levados por algum impulso incontrolável ou por alguma emoção forte (medo, orgulho, ambição, vaidade, covardia), fazemos alguma coisa de que, depois, sentimos vergonha, remorso, culpa. Gostaríamos de voltar atrás no tempo e agir de modo diferente. Esses sentimentos também exprimem nosso senso moral.