"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Dá prá ser feliz sem estudar História ?



Há quem diga que não. Preferências à parte é possível passar pelos vestibulares conhecendo mal a programação de História? Aí a questão se complica. No mês passado, o Supervisor de História, José Carlos P. Moura, pediu-me para bater um papo com alunos que estavam com dificuldades na matéria. Essa atividade acabou se estendendo, envolvendo a participação de outros professores. Ora, o nível de sofisticação dos vestibulares tem exigido dos professores e alunos um esforço tal, que tem deixado preocupados até mesmo alunos que aspiram a carreiras da área de Humanidades. Resolvi registrar algumas reflexões resultantes das reuniões com os alunos. Acho que isso pode ajudá-los a enfrentar os fantasmas da História.

Problemas comuns

Quem encontra barreiras no estudo de História – e se preocupa em superá-las – deve, antes de tudo, localizar os problemas que apresentam. A partir daí, há que procurar identificar as origens deles. Dessa forma, fica fácil adotar os procedimentos pedagógicos adequados para suplantar bloqueios. Os problemas mais comuns são os seguintes:

o mistério : “Professor, eu não consigo entender História.” Eis uma queixa que eu já me acostumei a ouvir. A História parece um enigma intransponível: não tem regras nem fórmulas; os métodos, então, são simplesmente invisíveis. É difícil gostar de uma coisa e não se entender.
a rejeição : “Eu não gosto de História.” Para muita gente, só a idéia de enfrentar um livro de História já sugere um grande sacrifício. As leituras parecem intermináveis e as tarefas parecem difíceis mesmo antes de conhecidas.
o tempo : “Demora muito para estudar.” Outras disciplinas parecem tão práticas. História requer tempo demais, cansa e atrapalha a programação dos horários de estudo. Acaba ficando por último e, freqüentemente, não dá para cumprir as tarefas. É angustiante!
a fixação : “Eu até entendo, mas logo depois esqueço tudo.” É a terrível dificuldade para memorizar as informações. Fica complicado trabalhar com assuntos que dependem de dados anteriores. Aí surge um círculo vicioso: não se consegue fixar conhecimento porque é difícil entender; e é difícil entender porque a matéria passada não foi fixada.
a redação : “Eu estudo e entendo, mas na hora de responder às questões, eu não consigo.” Resultado: respostas confusas ou incompletas. Como recurso freqüente, as pessoas tendem a produzir esquemas pouco claros e inúteis.

Origem dos Problemas

Assim como os problemas apontados se sobrepõem, suas origens costumam estar com freqüência associadas. Podemos assinalar basicamente quatro aspectos: bagagem escolar deficiente, vocabulário limitado, vícios de análise e preconceitos. É raro encontrar quem gostava de História e, de repente, deixou de gostar. Normalmente, a rejeição vem de longe, e neste caso, infelizmente, a escola tem suas responsabilidades. Não é raro ouvir dos alunos que os seus professores desta matéria eram muito chatos. As aulas eram maçantes e os cursos, repetitivos. Ocorre, então, de se chegar às portas dos vestibulares conhecendo mal algo tido como chato e inútil.
A formação escolar deficiente passa quase sempre pelo domínio da língua. Lendo e escrevendo mal, inevitavelmente surgem dificuldades em todas as disciplinas que exigem muitas leituras. O vocabulário fica limitado, e superar esta falha torna-se trabalhoso. Quem tem esse tipo de dificuldade, corre o risco de se dar mal também em matérias como Literatura, Geografia e Biologia.
Os vícios de análise estendem-se desde a visão de que a História não passa de uma coletânea de datas, heróis, batalhas etc., até a imagem de que, para os historiadores, só o passado importa. O exercício da pesquisa fica, então, só para os que têm curiosidade acadêmica. Daí para a consolidação de preconceitos é meio passo. Quanta gente ainda comunga com a idéia de que a História é “pura decoreba”? Tentar enfrentar um vestibular confiando no questionário decorado é caminho certo para o fracasso.

Soluções possíveis

Consciente desses aspectos, pode-se adotar alguns procedimentos que devem se tornar básicos e sistemáticos. Ressalte-se que, para qualquer indivíduo, não é fácil estudar História. As análises são socioeconômicas, políticas e ideológicas. Há que as inter-relacionar. E isto, normalmente, é um tanto complexo. É preciso ler muito e escrever um pouco, não adianta procurar métodos milagrosos. É imprescindível pensar. É este desafio que pode tornar o estudo interessante. Os porquês têm que ser garimpados e decifrados.
Outra recomendação: jamais se deve ler um texto de História como se lê, por exemplo, um romance, por diletantismo ou puro prazer. Ao se lerem obras literárias, busca-se dominar o estilo do autor e compará-lo a de outro da mesma escola artística. A leitura de um texto histórico exige concentração nas análises apresentadas.
Se aparecerem dificuldades em fixar as informações, cabe refletir: elas ocorrem só em História? Como são retidos os dados das outras disciplinas? Para o estudo consciente de nossa matéria, é fundamental saber selecionar o essencial e estabelecer uma relação entre os dados. No caso da História, a meada é o tempo.
Nas aulas, são expostas orientações de estudos sobre cada um dos itens da programação. Como estudar depois? Procedendo à leitura de apoio e enfrentando os exercícios de fixação. Mas é preciso ler criticamente, como apontamos nos parágrafos anteriores. É válido fazer resumos? Sim, mas não é preciso fazer aula por aula. É melhor esquematizar seus fichamentos. Se um determinado assunto ou período é ponto fraco no seu conhecimento, faça de conta que ele foi proposto para tema da prova de redação. Após ter tido as aulas; ter feito as leituras e preparado os fichamentos, você não é capaz de redigir vinte linhas sobre a questão? Nunca faça cópias de livros: é antipedagógico.

Se está difícil fichar os dados, analise os seguintes pontos:

o fato : o que aconteceu?
a situação : onde e quando ocorreu o fato? Ele é de caráter econômico ou político?
os personagens : quem fez? quem se opôs? Atenção: o que interessa são os personagens coletivos: classes sociais, partidos políticos, Igrejas, militares, etc.
as causas : por que aconteceu tal fato?
as conseqüências : o que houve depois, direta ou indiretamente relacionado ao fato?
a crítica : o que eu penso disso? Não poderia ter sido de outra forma? Procure pensar no que não aconteceu, para entender melhor o que aconteceu. Embora em História não exista se, levantar hipóteses por vezes ajuda a compreender pontos obscuros. Desconfie! Será que o fato histórico está bem contado?

Finalmente, ao concluir seu estudo sobre uma determinada época, um ótimo expediente é montar uma linha do tempo. Todo o Período Colonial ou a Idade Média, por exemplo, poder ser sintetizados numa linha cronológica. Com isso, no mínimo, as revisões ficam mais fáceis. Quanto aos exercícios, lembre-se de que os testes servem bem para identificar possíveis confusões, enquanto que as questões dissertativas são fundamentais para treinar sua redação e desenvolver sua capacidade de síntese. Mas cuidado com a sobrecarga!

O desenvolvimento do tirocínio histórico pode ajudar a compreender melhor o tempo em que se vive. Quando a gente quebra as resistências, a História começa a aguçar a nossa curiosidade. Não é preciso trabalhar com História para se gostar dela. Aliás, descobrindo suas possibilidades e seus desafios, estudar História pode ser até divertido. E o aspecto lúdico do trabalho de pesquisa é muito importante, pois desperta a criatividade. A palavra-chave é raciocinar. Quem raciocina, retém. E quem retém, gosta de História. Entendeu?

Jucenir Rocha é Professor de História do Brasil no Anglo Vestibulares

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