O deserto do real (Parte 06/09)
O pensador de Rodin
A Questão do Conhecimento
No texto lido apresentam-se dois tipos de conhecimento: o dos homens comuns, cujo saber é produzido por meio das percepções sensíveis e imediatas; e o saber filosófico ou científico, fruto de uma metodologia orientada pela razão e pela pesquisa reflexiva e prática. O filósofo tem a incumbência de questionar essa realidade das aparências que, na alegoria da caverna coloca-se como mundo de sombras, de ilusões dos sentidos (no contexto da obra de Platão), abrindo a perspectiva do logos.
Em nosso dia-a-dia formulamos uma série de opiniões a respeito de tudo que nos cerca. São descrições imprecisas ou relatos de fatos e acontecimentos abordados de maneira superficial impregnados de opiniões, que geram uma infinidade de conceitos pré-concebidos os quais aos poucos vão se tornando parte do conhecimento popular. Contudo, nem todos os conhecimentos integrantes do senso comum são irrelevantes, já que partem da própria realidade, algumas concepções são de fato precisas, faltando a elas, sobretudo, o rigor, o método, a objetividade e a coerência típicas do senso crítico.
Na obra República de Platão, a questão da passagem do senso comum para o senso crítico ocorre no contexto da formação social e política do cidadão. O ideal de república platônica apresenta-se também um projeto pedagógico, por meio do qual os produtores encarregados do trabalho, os guardas que velam pelo bem público, sob a égide da gestão racional dos filósofos magistrados, são formados para desempenhar estas funções sociais. Na pólis grega, a educação dos jovens era responsabilidade do Estado, os estudantes que se destacavam dos demais prosseguiam seus estudos e poderiam chegar a serem governantes após uma longa aprendizagem e uma rigorosa educação moral e intelectual.
Um dos objetos desta educação é a superação do senso comum (o campo das opiniões) para o conhecimento crítico. Conforme Geniéve Droz, pensador contemporâneo, no mito platônico o conhecimento progride do sensível para o intelectual, a inteligência vai do aparente para o essencial, do obscuro para o luminoso, sendo as Idéias, elas próprias, iluminadas pela fonte de toda luz, o Bem. (DROZ, 1977, p. 77)
Como se elabora o conhecimento crítico em Platão? A filosofia é a única forma de buscar por esse conhecimento? Para Platão, sim, uma vez que seja possível, com a metodologia apropriada, superar o nível das opiniões. De onde vem o desejo e a atração pelo mundo inteligível que possuem alguns homens, se tecnicamente nunca tiveram contato com o mesmo? Como explicar a vontade do prisioneiro que não conhece o lado de fora da caverna de sair dela?
O amor que deseja a sabedoria é a própria filosofia (literalmente amor ao saber). Gradualmente, à medida que o homem conhece, o próprio conhecimento desperta o desejo contínuo de saber. Após deixar a caverna este humano sofre a cegueira, pois não tivera antes contato com tal luz, e o abandono de seu antigo estado causa medo e dor, mas ele é convidado a continuar sua ascese superando o mundo sensível, apreendendo os movimentos do sol, as estações e suas conseqüências.
Desta forma, a conquista da sabedoria e da felicidade carece de incansáveis esforços na aprendizagem das ciências e das artes. É um processo contínuo de auto-superação. Ele se habitua aos objetos reais do mundo fora da caverna, mas a ascensão é apenas um momento de depuração pessoal. A filosofia na tradição platônica não tende a algum tipo de ostracismo intelectual, depois da contemplação da luz é necessário o retorno para dentro da caverna para despertar os outros para este conhecimento, isto é, o filósofo para Platão, tem um compromisso social e político. Podemos perceber neste momento a preocupação com a “morada comum”. Platão tentou concretizar sua idéia de nova sociedade no final de sua vida atuando politicamente.
Conhecer para Platão é o sumo bem, e o bem está na organização da cidade de acordo com este conhecimento e não de acordo com as opiniões. Podemos comparar o ideal de homem que habita o interior da caverna, com o senso comum, ambos estão apegados às impressões sensíveis e não se permitem enxergar outras realidades senão as impostas pelas circunstâncias. Na pólis grega, os homens que se negavam a participar da vida pública, eram chamados de idiotés, porque se deixavam representar por outrem. Ao negar a própria vontade se submetiam e deixavam a responsabilidade de decidir o destino da cidade para os outros.
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