"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Olga - Fernando Moraes



O livro de Fernando Morais consegue nos colocar em contato com toda a atmosfera de tensão vivida pelos comunistas no Brasil de Getúlio Vargas, em plena década de 1930. Retrocede até antes disso para nos fazer conhecer as origens dessa judia alemã que se juntou aos camaradas russos para tentar propagar a revolução proletária mundo afora. Relata sua vinda para o Brasil aonde veio a trabalhar com Prestes na fracassada tentativa de insurreição conhecida historicamente como Intentona Comunista de 1935.
Independentemente dos resultados das ações desencadeadas pelos comunistas no Brasil, o importante é relatar a história dessa jovem mulher que abraçou uma causa com tanto fervor que teve que verdadeiramente se sacrificar em favor de suas crenças e ideais.
Mulher altiva, de beleza inconteste, oriunda de família bem estabelecida na Alemanha, Olga não se acomodou a uma situação de conforto burguês e resolveu aderir aos movimentos internacionais de trabalhadores. Era a ponte para vôos muito mais altos que passavam necessariamente por Moscou. Reuniões de partido, militância entre a juventude comunista, treinamentos militares, além de grande perícia com as armas acabaram colocando essa militante de olhos claros no caminho da América Latina.
Seu destino parecia irremediavelmente traçado pelo fato de um notável e respeitado líder latino-americano também estar em Moscou, se preparando para deflagrar o socialismo no maior país dessa região do mundo, o Brasil. Tratava-se de ninguém menos que Luís Carlos Prestes. Precedido de enorme fama e de grande consideração pelos próprios russos, em virtude de sua liderança expressiva durante a chamada Coluna Prestes, o ex-militar brasileiro conseguia na União Soviética os recursos e aliados necessários para a revolução proletária no Brasil.
Convocada a participar dessa campanha do outro lado do Atlântico, no hemisfério sul, em terras tupiniquins, Olga viajou ao lado de Prestes como se fosse sua esposa, num transatlântico onde se destacavam grandes figurões do capitalismo internacional e algumas proeminentes figuras do nazismo alemão. Disfarçados de prósperos investidores, viviam a antítese de tudo aquilo que defendiam...
Sua vida se torna ainda mais interessante a partir do momento em que se envolve emocionalmente com o conhecido Cavaleiro da Esperança. De mero disfarce para que não fossem identificados como líderes revolucionários de esquerda, Olga e Prestes acabariam se tornando um casal apaixonado, mesmo que o amor fosse considerado pela alemã como um sentimento burguês que teria que desprezar em sua existência.
Desse relacionamento surgiria uma gravidez e isso tornaria ainda mais dramática e difícil a situação da mulher de Luís Carlos Prestes. Amotinados em 1935, contando com o apoio de uma estrutura que não existia, insuflada pelos sonhos dos milhões de simpatizantes e filiados da sua fachada política conhecida como Aliança Nacional Libertadora (ANL), Olga e Prestes viram ruir o sonho do socialismo no Brasil da década de 1930.
A prisão de seus maiores e mais próximos colaboradores colocou a própria vida dos dois em risco. Aprisioná-los se tornou questão de honra para o virulento Filinto Müller, chefe maior da polícia política de Vargas, encarregado de caçar Prestes a qualquer custo. Capturados, Prestes e Olga foram separados para sempre. O grande elo de sua união permanecia ligado umbelicalmente a Olga, sua futura filha Anita Leocádia Prestes. Apesar disso e de todos os protestos desencadeados em terras brasileiras contra o aprisionamento do casal e particularmente as condições desumanas de vida a que estava exposta a jovem e grávida mulher de Prestes, Olga foi sentenciada ao degredo em seu país de origem, a Alemanha.
E o mais aterrorizante de tudo isso é lembrar que são princípios elementares do nazismo tanto o anti-semitismo (a perseguição aos judeus) quanto o anti-comunismo (que gerou violenta repressão política e ideológica contra os esquerdistas), portanto, o futuro de Olga e de seu bebê pareciam tenebrosos.
Olga é, sem dúvida, uma das maiores contribuições de Fernando Morais para a literatura nacional. Livro de ritmo denso, rico em reconstituições e detalhes, produto de intensa pesquisa em arquivos no Brasil e no exterior, com uma narrativa que faz com que se pareça com uma obra de ficção, encanta o leitor da primeira a última página. Só queremos largar o livro depois de seu final e prendemos o fôlego e as lágrimas várias vezes.

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