"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

O Amanuense Belmiro - Cyro dos Anjos



Misto de memória e diário, esse genial romance funde também a mais sutil ironia com o lirismo capaz de suavizar a tristeza da condição humana.

O livro O Amanuense Belmiro, do autor Cyro dos Anjos, situa-se entre os romances de tensão interiorizada. O herói não enfrenta o eu-mundo pela ação e sim, pela subjetivação.

Belmiro Braga é o anti-herói narrador e protagonista da narrativa.

A vida do narrador e protagonista Belmiro apresenta-se em três círculos que se encontram: ideológico, mítico e afetivo. Em uma noite de carnaval, em 1935, Belmiro conhece uma garota, depois a perde e faz dela um mito. Mais tarde, reconhece a moça em Carmélia e nutre por ela um amor idealizado. Também fazendo parte do lado afetivo, encontramos Belmiro e as duas irmãs idosas, Emília e Francisquinha, o papagaio Thomé, os vizinhos Prudêncio e Giovanni, os amigos, o bem-humorado Florêncio e o arrogante, reacionário, porém generoso Silviano.

O grande núcleo significativo do livro é o eterno, o amor estrangulado pelo conhecimento.

Redelvim é o companheiro de Belmiro no celibato, nas aperturas financeiras e na burocracia. Glicério sofre com a ironia de Belmiro e se interessa por Carmélia, sem sucesso. Jandira, para a época, é uma mulher livre, tem amigos homens, trabalha fora de casa, é um espírito realista. Apesar disso, sente pudor diante dos olhares de desejo. Quanto a Belmiro, ele é a razão de ser de toda a narrativa. É o burocrata lírico, tolhido pelo excesso de vida interior. É um personagem complexo, sensível, amigo das artes e das pessoas, sonhador, possuidor de uma tristeza resignada. Diferente do seu pai, homem rude, ríspido viril. Diante das mulheres, Belmiro fica entre o ímpeto e o gesto.

O poeta Drummond aparece na fala de Belmiro, quando diz "Eu sou sempre um gauche" e no título da capítulo 93 "Mundo, mundo".

O capítulo final "Última página" e a comparação com um tipo de árvore das chapadas do sertão mostram o desalento, o pessimismo e a triste auto-estima de Belmiro.

A escrita é refinada, vocabulário sofisticado. Há expressões estrangeiras, grande adjetivação e sonoridade. Linguagem clássica, frases equilibradas e ritmo harmonioso. Porém, no episódio de sua própria detenção policial e sua rápida permanência entre marginais, percebe-se o registro popular da linguagem.

Olhando o contexto histórico, apesar de toda a sensibilidade, encontramos algumas referências: Revolução de 30, Intentona Comunista, confronto ideológico entre Trotsky e Stalin. Com a experiência de Belmiro temos reflexões do narrador sobre Minas Gerais, sobre o papel social da mulher na sociedade, sobre a vida rural e a burocracia.

Então, deixe-se envolver por esse personagem complicado, meio cínico, mas muito lírico.

Fonte: Netsaber.

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