"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Liberdade em Sartre (Parte 01/14)


Perante a justiça está sentado um porteiro. Com ele vem ter um homem da província, pedindo-lhe que o deixe entrar. Responde o porteiro que, por enquanto, não lhe pode permitir a entrada. Depois de refletir, o homem pergunta se mais tarde poderá entrar.

– É possível – diz o porteiro –, mas agora não.

Visto que as portas da justiça se acham abertas como sempre, enquanto o porteiro dá um passo, o homem se curva a fim de lançar um olhar para dentro, através do portão. Percebendo isso, ri o porteiro e diz:

– Se tens tanta vontade de entrar, procura fazê-lo, apesar da minha proibição. [...] Anos a fio vive o homem a observar o porteiro quase ininterruptamente. Esquece os demais porteiros, e aquele parece-lhe o único obstáculo de seu acesso à justiça. [...] Não lhe sobra, porém, muito tempo de vida. Antes de morrer, no seu cérebro as experiências de todo aquele tempo se condensam numa única pergunta que até então ainda não fez ao porteiro. Acena a este, por não mais poder soerguer o corpo congelado. O porteiro tem de se debruçar profundamente sobre ele, porque a diferença de estatura aumentara muito em prejuízo do homem.

– Que é que você quer ainda saber? – pergunta o porteiro. – Você é insaciável.

– Não é verdade que todos procuram ter acesso à justiça? – pergunta o homem.

– Como é possível que em todos estes anos ninguém tenha pedido ingresso, a não ser eu?

O porteiro percebe que o homem já está nas últimas, e, para lhe alcançar ainda o ouvido quase extinto, brada-lhe: Por aqui ninguém mais pode obter ingresso: esta porta estava destinada apenas a você. Agora eu vou, e fecho-a. (KAFKA, 1999, p. 368-369)

A liberdade é natural ou
uma conquista humana?
O homem é livre ou se
torna livre?

Texto produzido por Djaci Pereira Leal para a Secretaria de Estado da Educação do Paraná.

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