Spinoza (Parte 02/05)
— Pense que você é apenas uma minúscula parte de toda a vida da natureza. Pense que você está inserida num emaranhado de relações extremamente grande e complexo.
— Acho que entendo o que você quer dizer.
— Será que você também conseguiria sentir o que estou querendo dizer? Você é capaz de perceber a natureza toda de uma só vez, o universo inteiro, num só piscar de olhos?
— Depende. Talvez eu precise de algumas lentes ópticas.
— E eu não estou pensando aqui apenas no universo infinito. Estou pensando também num tempo infinito. Há três mil anos viveu um menino na Renânia. Ele era apenas uma ínfima parte de toda a natureza, uma pequenina onda num mar infinitamente grande. Muito bem, Sofia, você também é uma ínfima parte da natureza e entre você e este menino não há diferença alguma.
— Só que eu ainda estou viva.
— Sim, mas é exatamente por isso que você precisa saber enxergar de olhos fechados. O que será de você daqui a três mil anos?
— Dizer isto era considerado heresia?
— Bem… Spinoza não disse apenas que tudo o que existe é a natureza. Ele também via Deus em tudo o que existe e tudo o que existe em Deus.
— Quer dizer que ele era panteísta.
— Correto. Para Spinoza, Deus não é alguém que criou o mundo um dia e desde então é uma entidade à parte de sua criação. Não. Deus é o mundo. Às vezes Spinoza se expressa de uma forma um pouco diferente e diz que o mundo é em Deus. Aqui ele faz referência ao discurso do apóstolo Paulo no Areópago: “porque nele vivemos, nos movemos e existimos”, disse Paulo. Mas vamos acompanhar o raciocínio do próprio Spinoza. Sua obra mais importante se chama A ética fundamentada pelo método geométrico.
— Ética… e método geométrico?
— Isto talvez soe um pouco estranho aos nossos ouvidos. Os filósofos entendem por ética a doutrina de como devemos viver para vivermos uma boa vida. É neste sentido que falamos, por exemplo, da ética de Sócrates ou de Aristóteles. Só em nossa época é que a ética foi reduzida, de certo modo, a algumas regras, a partir das quais podemos viver sem pisar no pé de nossos semelhantes.
— Isto porque pensar na sua própria felicidade é visto como egoísmo?
— Mais ou menos. Quando Spinoza emprega a palavra ética, na verdade ele está se referindo tanto à arte de viver quanto à moral.
— Mesmo assim não é estranho falar da “arte de viver fundamentada pelo método geométrico”?
— O método geométrico refere-se à linguagem ou à forma de representação. Você já aprendeu que Descartes também quis empregar o método matemático à reflexão filosófica. E o que ele entendia por isto era uma reflexão filosófica construída sobre a base de conclusões rigorosamente lógicas. Spinoza está dentro da mesma tradição racionalista. Em sua ética ele pretendeu mostrar que a vida do homem é governada pelas leis da natureza. Para ele, o homem precisa se libertar de seus sentimentos e sensações, para só então poder encontrar a paz e ser feliz.
— Mas nós não somos governados apenas pelas leis da natureza, somos?
— Bem, não é muito fácil mesmo entender Spinoza. Você lembra que Descartes disse que a realidade era constituída de duas substâncias rigidamente separadas uma da outra: o pensamento e a extensão.
— Como eu poderia me esquecer disso?
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