"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Spinoza (Parte 03/05)


— A palavra “substância” pode ser entendida como aquilo de que se compõe uma coisa, aquilo que esta coisa é em sua essência, ou então aquilo a que ela pode ser atribuída. Para ele, tudo era ou pensamento, ou extensão.
— Não precisa repetir.

— Mas Spinoza não aceitava esta divisão. Ele achava que havia uma única substância. Para ele, tudo o que é pode ser atribuído a uma mesma e única coisa. E esta “mesma e única coisa”, ele a chamava simplesmente de substância. Em outras passagens ele também a chama de “Deus” ou de “natureza”. Ao contrário de Descartes, portanto, Spinoza não tinha uma concepção dualística da realidade. Por isso ele é chamado de monista, e isto significa que ele atribuía toda a natureza e todas as relações de vida a uma mesma e única substância.
— Os dois não poderiam ter discordado mais…
— Só que a diferença entre Descartes e Spinoza não é tão grande quanto freqüentemente se costuma afirmar. Descartes também chama a atenção para o fato de somente Deus ter o poder de existir por si mesmo. Só quando Spinoza iguala Deus à natureza, ou Deus à Sua criação, é que ele se afasta consideravelmente de Descartes e também das concepções judaicas e cristãs.
— Pois neste caso a natureza é Deus. E ponto final.
— Mas quando Spinoza emprega a palavra “natureza”, ele não está pensando apenas na natureza material, física. Por substância, Deus ou natureza, ele entende tudo o que existe, inclusive o que se compõe de espírito.
— Ou seja, tanto pensamento quanto extensão.
— Exatamente. Segundo Spinoza, nós, homens, conhecemos duas das características, ou formas de manifestação, de Deus. Spinoza chama essas características de atributos de Deus e esses dois atributos são precisamente o pensamento e a extensão de Descartes. Deus, ou a natureza, manifesta-se, portanto, ou como pensamento, ou como alguma coisa que ocupa o espaço. Mas é possível que Deus possua um número infinitamente maior de outros atributos além do pensamento e da extensão. Só que de todos esses possíveis atributos o homem só conhece dois.
— Tudo bem… mas que forma complicada de se expressar!
— Sim, às vezes a gente precisa de um martelo e de um cinzel para conseguir abrir caminho pela linguagem de Spinoza. Talvez nos sirva de consolo o fato de que no fim encontramos um pensamento que é tão brilhante e transparente quanto um diamante.
— Estou ansiosa para saber qual é.
— Tudo o que existe na natureza ou é pensamento, ou então extensão. Cada um dos fenômenos com os quais nos deparamos em nossa vida cotidiana, como uma flor, por exemplo, ou um poema de Henrik Wergeland, são diferentes modi dos atributos pensamento e extensão. Por modus, plural modi, entendemos, portanto, determinada forma de manifestação da substância, ou de Deus, ou ainda da natureza. Uma flor é um modus do atributo extensão e um poema sobre esta flor é um modus do atributo pensamento. No fundo, porém, ambos são expressão para uma mesma e única coisa: substância, Deus ou natureza.
— Deus meu, que complicado!
— Ainda bem que só a linguagem é complicada em Spinoza. Sob suas formulações complicadas esconde-se um conhecimento maravilhoso, tão simples que não pode ser expresso pela linguagem coloquial.
— Apesar disso, acho que prefiro a linguagem coloquial.
— Está bem. Então vamos começar com você mesma. Quando você tem dor de estômago, o que é que tem dor de estômago?
— Você mesmo já disse: eu.
— Certo. E mais tarde, quando você pensa que um dia teve dor de estômago, o que é que pensa?
— Eu, também.
— Pois você é uma pessoa que hoje pode estar com dor de estômago e amanhã pode estar sob a influência de determinado estado de ânimo. Da mesma forma, Spinoza achava que todas as coisas físicas que nos cercam ou que acontecem à nossa volta são manifestações de Deus, ou natureza. O mesmo vale para todos os pensamentos que são pensados. Assim, todos os pensamentos que são pensados também são pensamentos de Deus, ou natureza. Pois tudo é uma coisa só. Tudo é um. Existe apenas um Deus, ou uma natureza, ou ainda uma substância.

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