"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Spinoza (Parte 05/05)


— Ela é Sofia Amundsen, disto ela tem certeza. Mas ela também vive segundo as leis da natureza. O problema é que ela mesma não percebe isso, pois por trás de tudo o que faz existe um número muito grande de motivos extremamente complicados.
— Acho que não quero ouvir mais nada.
— Tudo bem, mas antes me responda a uma última pergunta: duas árvores de mesma idade crescem num enorme jardim. A primeira está num ponto do jardim em que recebe bastante sol e tem acesso abundante a um solo rico em nutrientes e água. A outra árvore cresce na sombra, sobre solo infértil. Qual das duas árvores dará mais frutos?

— Naturalmente aquela que tem as melhores condições de crescer.
— Para Spinoza esta árvore é livre. É livre no sentido de que possui plena liberdade para desenvolver todas as possibilidades que lhe são inerentes. Só que se esta árvore for uma macieira, ela não terá opção entre produzir maçãs ou ameixas. E o mesmo acontece conosco, seres humanos. As circunstâncias políticas, por exemplo, podem obstruir nossa evolução e o nosso crescimento pessoal. Uma pressão exterior é capaz de nos tolher. Só quando podemos desenvolver livremente as possibilidades que nos são inerentes é que podemos viver como pessoas livres. Apesar disso, somos governados pelo nosso potencial interno e pelas circunstâncias exteriores da mesma forma como o menino da Idade da Pedra na Renânia, o leão na África ou a macieira do jardim.
— Acho que não consigo ouvir mais nada.
— Spinoza dizia que só um único ser é “causa completa e absoluta de si mesmo” e pode agir em liberdade plena. Somente Deus ou a natureza é expressão deste processo livre e “não casual”. Um homem pode aspirar à liberdade de viver sem pressões exteriores, mas ele nunca chegará a ter “livre-arbítrio”. Nós não determinamos tudo o que acontece com o nosso próprio corpo, pois nosso corpo é um modus do atributo extensão. Tampouco “escolhemos” nossos pensamentos. Assim, o homem não possui uma mente livre, aprisionada num corpo mecânico.
— Isto é que é difícil de entender.
— Spinoza achava que as paixões humanas, a ambição e o prazer, por exemplo, nos impedem de chegar à felicidade e à harmonia verdadeiras. Mas quando reconhecemos que tudo acontece porque tem de acontecer, podemos chegar, então, a uma compreensão intuitiva da natureza como um todo. Podemos ser levados a experimentar, de forma pura e cristalina, o fato de que tudo está relacionado; o fato de que tudo é um. Nosso objetivo é abarcar, num único golpe de vista, tudo o que existe. Spinoza chamava isto de ver as coisas sub specie aeternitatis.
— E o que significa isto?
— Significa ver as coisas sob a perspectiva da eternidade. Não foi assim que começamos?
— E é assim que precisamos terminar. Preciso voltar agora mesmo para casa.

0 Response to "Spinoza (Parte 05/05)"