Spinoza (Parte 04/05)
— Mas quando penso alguma coisa, sou eu quem pensa. E quando me movimento, sou eu quem se movimenta. Por que você quer colocar Deus no meio disso?
— Sabe de uma coisa? Gosto do seu engajamento. Mas quem é você? Você é Sofia Amundsen, mas também é expressão de algo infinitamente maior. Você pode muito bem dizer que você pensa, ou que você se movimenta, mas será que você também não pode dizer que a natureza pensa os seus pensamentos e que a natureza se movimenta em você? É só uma questão de saber através de que lentes você observa tudo isto.
— Você está querendo dizer que não sou eu quem determina o que posso fazer?
— Bem, talvez você possua alguma liberdade para movimentar o polegar ao seu bel-prazer. Mas o polegar só pode se movimentar de acordo com sua própria natureza. Ele não pode saltar de sua mão e sair pulando pela sala. Da mesma forma, você também tem o seu lugar no todo, minha cara. Você é Sofia, mas também é um dedo no corpo de Deus.
— Então é Deus quem decide tudo o que eu faço?
— Ou a natureza, ou as leis da natureza. Spinoza considerava Deus, ou as leis da natureza, a causa interna de tudo o que acontece. Deus não é uma causa externa, pois Deus se manifesta através das leis da natureza e só através delas.
— Não sei se consigo ver a diferença.
— Deus não é um manipulador de fantoches, que fica puxando cordinhas e, com isto, determinando o que acontece. Um “mestre de marionetes” dirige as bonecas de fora de cena e por isso é uma “causa externa”. Mas não é assim que Deus governa o mundo. Deus governa o mundo através das leis da natureza. Desta forma, Deus – ou a natureza – é causa interna de tudo o que acontece. Isto significa que tudo na natureza acontece porque tem de ser assim. Spinoza tinha uma visão determinista da vida na natureza.
— Acho que em algum outro momento você já disse alguma coisa parecida.
— Talvez você esteja pensando nos estóicos. Também eles diziam que tudo acontece porque tem de acontecer. Por isso é que eles achavam muito importante aceitar todos os acontecimentos com uma “tranqüilidade estóica”. O homem não deve se deixar levar pelos seus sentimentos. O mesmo vale para a ética de Spinoza, que quisermos dizê-lo de forma resumida.
— Acho que entendo o que ele quer dizer. Mas não me agrada o pensamento de que não sou eu quem decide sobre mim mesma.
— Vamos dar outro salto de volta ao menino da Idade da Pedra, que viveu há três mil anos. O tempo passou e ele cresceu, atirou sua lança em animais, amou uma mulher, que se tornou a mãe de seus filhos e, pode estar certa, adorou os deuses de sua tribo. O que passa por sua cabeça quando você diz que ele mesmo decidiu todas essas coisas?
— Não sei.
— Então imagine um leão na África. Você acha que ele próprio optou por viver como animal predador? É por causa disso que ele ataca um antílope cansado? Será que em vez disso ele poderia ter optado por viver como vegetariano?
— Não, o leão vive de acordo com sua natureza.
— Ou de acordo com as leis da natureza. O mesmo acontece com você, Sofia, pois você também é natureza. Mas é claro que, amparada por Descartes, você pode argumentar que o leão é um animal e não um homem com faculdades mentais livres. Mas então pense num recém-nascido. Ele resmunga, chora, e se não lhe dão leite ele coloca o dedo na boca para mamar. Será que este bebê possui livre-arbítrio?
— Não.
— E quando esta criança, uma menina, digamos, passa a ter um livre-arbítrio? Aos dois anos esta garotinha corre por toda a parte e aponta entusiasmada para tudo o que vê. Aos três vive fazendo birra e aos quatro, de uma hora para outra, passa a ter medo de escuro. Onde está a liberdade, Sofia?
— Não sei.
— Aos quinze, diante do espelho, ela experimenta se maquiar. É este o momento em que ela passa a tomar suas próprias decisões e a fazer o que quer?
— Entendo o que você quer dizer.
0 Response to "Spinoza (Parte 04/05)"
Postar um comentário