"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Felicidade e Virtude


Lendo Aristóteles pode-se perceber que a virtude do homem está relacionada às escolhas que ele faz. Essas escolhas não no sentido de querer ou não um ou outro objeto, mas escolhas no sentido de nossa racionalidade, ou seja, de agirmos de uma ou outra forma. São escolhas que orientam o nosso agir e que estão ligadas ao que dissemos já no início, a arte de bem viver.
Para Aristóteles o homem só pode viver na pólis, cidade grega, e isto por ser, por natureza, um animal político, ou seja, que vive na pólis, portanto, em sociedade, pois seu agir não é isolado ou solitário, mas é sempre um agir em relação ao outro.
Ora, se nossa vida ocorre em sociedade e nossas ações se dão em relação ao outro com quem convivemos como ser virtuoso? O que Aristóteles nos aponta como meio de atingirmos a virtude, haja vista que somos marcados por escolhas e desde que nos levantamos pela manhã até nos deitarmos à noite?

Ora: a excelência moral se relaciona com as emoções e as ações, nas quais o excesso é uma forma de erro, tanto quanto a falta, enquanto o meio termo é louvado como um acerto; ser louvado e estar certo são características da excelência moral. A excelência moral, portanto, é algo como a eqüidistância, pois [...] seu alvo é o meio termo. (ARISTÓTELES, 2001, p. 42).

É interessante retomar a discussão feita anteriormente a partir da música, “Balada do Louco”, e a questão da felicidade em nossos dias. Você pode perceber que os compositores discutem não a loucura em si, mas a loucura como o diferente aos padrões sociais vigentes, como, por exemplo, o movimento de arte surrealista.

O movimento exerceu enorme influência sobre sucessivas gerações de artistas. Sua ênfase na coletividade e na ruptura da distinção entre o privado e o público, o artista e o espectador voltariam à tona em outros modos de fazer arte [...] O desenvolvimento de sua linguagem e a insistência na linguagem falada ou escrita e na imagem visual como elementos em comum de um material mental da maior importância tiveram efeitos duradouros sobre o trabalho textual. As aspirações surrealistas ao automatismo e a proposta de uma ligação entre o gesto e o pensamento foram características constitutivas dos jovens artistas [...] (BRADLEY, 1999, p. 73).

Para os surrealistas as obras de arte são manifestações do subconsciente, sendo estas absurdas e ilógicas, é o que bem ilustra a obra de Salvador Dali, Telefone-lagosta.
Que sensação essa imagem transmite?


Você consegue se imaginar atendendo um telefone como este?
Então, para o Surrealismo, a loucura não é um problema psíquico, mas sim a tentativa de viver além das aparências e exigências de padrões que nem sempre respeitam nossa liberdade. É interessante que a arte além de questionar tais padrões apresenta-se como uma possibilidade de resistência aos mesmos. Então em fins do século XX e início do XXI, ser feliz e perguntar-se pela possibilidade da felicidade parece ser coisa de louco.
Porém, uma pergunta que se pode fazer é: sei que para ser virtuoso devo buscar o meio termo, mas sabendo isso percebo que não é tão simples assim como parece. O que preciso fazer para isso?
A resposta está em que temos que escolher nossas ações e emoções e como há em relação a elas o excesso, a falta e o meio termo, temos que acertar o meio termo. E para isso precisamos refletir, pensar e analisar para fazer a escolha de forma acertada. Além disso, Aristóteles ressalta que a mediania é relativa a nós, ou seja, o que é bom para mim pode não ser para o meu colega. Vou dar um exemplo: você
já fez curso de inglês e a partir das aulas de inglês você estuda 15 minutos por semana e consegue a nota máxima. Se um colega seu que não estudou seguir o seu conselho de que basta estudar apenas 15 minutos por semana é o suficiente, ele irá conseguir assim como você a nota máxima?
É bom destacar que a ética aristotélica não se apresenta de forma alguma como algo imperativo, ou seja, faça isto, não faça aquilo. Mas joga a opção a cada um de nós para que façamos as escolhas e sejamos assim sujeitos de nossos próprios atos e escolhas. Sendo assim, não há uma verdade pré-estabelecida e que nos cabe apenas segui-la, sem reflexão e/ou questionamento.
Assim nos deparamos com a necessidade de, a cada ação, fazer a escolha e o desafio é fazer a escolha certa. É, portanto, mais difícil, pois exige de nós uma atitude ativa e não simplesmente passiva diante da vida, das coisas e escolhas que nos cercam. Veja como poder escolher e, portanto, poder errar é sempre o que acaba por inibir as pessoas. Precisamos refletir e desenvolver nossa capacidade de análise da realidade, pois isso depende exclusivamente de nós. E como o mundo que nos cerca é também o mundo das relações humanas, saber escolher é um desafio constante e que diante das escolhas que fizermos não há retrocesso. Para o pensamento aristotélico, tudo isso diretamente relacionado com o fato de eu viver na pólis, ou seja, viver em sociedade.
Para o mundo grego a ética e a política estão juntas, pois entendem que a comunidade social é o lugar necessário para a vivência ética. O homem só pode viver e buscar sua finalidade, que para Aristóteles é a felicidade, na comunidade social, pois é um animal político, ou seja, social.
Portanto, não pode o homem levar uma vida moral como indivíduo isolado, pois vive e é membro de uma comunidade. E como a vida moral não é um fim em si mesmo, mas um meio para se alcançar a felicidade, não se pensa a ética fora dos limites das relações sociais, ou seja, não se pressupõe a ética sem a política.
É por isso que, segundo Savater, “(...) os antigos gregos chamavam quem não se metia em política de idiotés, palavra que significava pessoa isolada, sem nada a oferecer às demais, obcecada pelas mesquinharias de sua casa e, afinal de contas, manipulada por todos”. (SAVATER, 1996, p. 16)
Não sei se isto responde a questão: como fazer para atingir o meio termo? Mas penso que traduza o que está pressuposto em Aristóteles no sentido de orientar os homens, daquele momento histórico, Grécia, no século IV a.C., a atingirem a finalidade de suas vidas, que para Aristóteles é a felicidade.

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