Psicologia da forma e fenomenologia
Em nosso século, porém, a
Filosofia alterou bastante essas duas tradições e as superou numa nova
concepção do conhecimento sensível. As mudanças foram trazidas pelo
fenomenologia de Husserl e pela Psicologia da Forma ou teoria da Gestalt
(Gestalt é uma palavra alemã que significa: configuração, figura
estruturada, forma). Ambas mostraram:
● contra o empirismo, que a
sensação não é reflexo pontual ou uma resposta físico-fisiológica a um estímulo
externo também pontual;
● contra o intelectualismo, que
a percepção não é uma atividade sintética feita pelo pensamento sobre as
sensações;
● contra o empirismo e o
intelectualismo, que não há diferença entre sensação e percepção.
Empiristas e intelectualistas,
apesar de suas diferenças, concordavam num aspecto: julgavam que a sensação era
uma relação de causa e efeito entre pontos das coisas e pontos de nosso corpo.
As coisas seriam como mosaicos de qualidades isoladas justapostas e nosso
aparelho sensorial (órgãos dos sentidos, sistema nervoso e cérebro) também
seria um mosaico de receptores isolados e justapostos. Por isso, a percepção
era considerada a atividade que “somava” ou “juntava” as partes numa síntese
que seria o objeto percebido.
Fenomenologia e Gestalt,
porém, mostram que não há diferença entre sensação e percepção porque nunca
temos sensações parciais, pontuais ou elementares, isto é, sensações separadas
de cada qualidade, que depois o espírito juntaria e organizaria como percepção
de um único objeto. Sentimos e percebemos formas, isto é, totalidades
estruturadas dotadas de sentido ou de significação.
Assim, por exemplo, ter a
sensação e a percepção de um cavalo é sentir/perceber de uma só vez sua cor (ou
cores), suas partes, sua cara, seu lombo e seu rabo, seu porte, seu tamanho,
seu cheiro, seus ruídos, seus movimentos. O cavalo-percebido não é um feixe de
qualidades isoladas que enviam estímulos aos meus órgãos dos sentidos (como
suporia o empirista), nem um objeto indeterminado esperando que meu pensamento
diga às minhas sensações: “Este objeto é um cavalo” (como suporia o
intelectualista). O cavalo-percebido não é um mosaico de estímulos exteriores
(empirismo), nem uma idéia (intelectualismo), mas é, exatamente, um
cavalo-percebido.
As experiências conhecidas como
figura-e-fundo mostram que não temos sensações parciais, mas percepções globais
de uma forma ou de uma estrutura.
As experiências com formas
“incompletas” mostram que a percepção sempre percebe uma totalidade completa, o
que seria impossível se tivéssemos sensações elementares que o pensamento
unificaria numa percepção.
Se a percepção fosse uma soma de
sensações parciais e se cada sensação dependesse dos estímulos diretos que as
coisas produzissem em nossos órgãos dos sentidos, então teríamos que ver como
sendo de mesmo tamanho duas linhas que são objetivamente de mesmo tamanho. Mas
a experiência mostra que nós as percebemos como formas ou totalidades
diferentes.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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