O que é a memória
A memória é uma atualização do passado ou a presentificação
do passado e é também registro do presente para que permaneça como lembrança.
Alguns estudiosos julgaram que a memória seria um fato puramente biológico,
isto é, um modo de funcionamento das células do cérebro que registram e gravam
percepções e idéias, gestos e palavras. Para esses estudiosos, a memória se
reduziria, portanto, ao registro cerebral ou à gravação automática pelo cérebro
de fatos, acontecimentos, coisas, pessoas e relatos.
Essa teoria, porém, não se sustenta. Em primeiro lugar,
porque, se a memória fosse mero registro cerebral de fatos e coisas passados,
não se poderia explicar o fenômeno da lembrança, isto é, que selecionamos e
escolhemos o que lembramos e que a lembrança tem, como a percepção, aspectos
afetivos, sentimentais, valorativos (há lembranças alegres e tristes, há
saudade, há arrependimento e remorso). Em segundo lugar, também não se poderia explicar
o esquecimento, pois se tudo está espontânea e automaticamente registrado e
gravado em nosso cérebro, não poderíamos esquecer coisa alguma, nem poderíamos
ter dificuldade para lembrar certas coisas e facilidade para recordar outras
tantas.
Isso não significa que não haja um componente biológico,
fisiológico ou cerebral na memória, pois os estudos científicos mostram não só
as zonas do cérebro responsáveis pela memória, como também os estudos
bioquímicos mostram o papel de algumas substâncias químicas na produção e
conservação da memória. O que estamos dizendo é que os aspectos biológicos e
químicos da memória não explicam o fenômeno no seu todo, isto é, como forma de
conhecimento e de componente afetivo de nossas vidas.
Podemos dizer que, em nosso processo de memorização, entram
componentes objetivos e componentes subjetivos para formar as lembranças.
São componentes objetivos: as atividades
físico-fisiológicas e químicas de gravação e registro cerebral das lembranças,
bem como a estrutura do objeto que será lembrado. Assim, por exemplo, a
psicologia da Gestalt mostra que temos maior facilidade para memorizar
uma melodia do que sons isolados ou dispersos; que memorizamos mais facilmente
figuras regulares (círculo, quadrado, triângulo, etc.) do que um conjunto
disperso de linhas.
São componentes subjetivos: a importância do fato e da
coisa para nós; o significado emocional ou afetivo do fato ou da coisa para
nós; o modo como alguma coisa nos impressionou e ficou gravada em nós; a
necessidade para nossa vida prática ou para o desenvolvimento de nossos
conhecimentos; o prazer ou dor que um fato ou alguma coisa produziram em nós,
etc. Em outras palavras, mesmo que nosso cérebro grave e registre tudo, não é
isso a memória e sim o que foi gravado com um sentido ou com um significado
para nós e para os outros.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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