"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

O que é a memória


A memória é uma atualização do passado ou a presentificação do passado e é também registro do presente para que permaneça como lembrança. Alguns estudiosos julgaram que a memória seria um fato puramente biológico, isto é, um modo de funcionamento das células do cérebro que registram e gravam percepções e idéias, gestos e palavras. Para esses estudiosos, a memória se reduziria, portanto, ao registro cerebral ou à gravação automática pelo cérebro de fatos, acontecimentos, coisas, pessoas e relatos.

Essa teoria, porém, não se sustenta. Em primeiro lugar, porque, se a memória fosse mero registro cerebral de fatos e coisas passados, não se poderia explicar o fenômeno da lembrança, isto é, que selecionamos e escolhemos o que lembramos e que a lembrança tem, como a percepção, aspectos afetivos, sentimentais, valorativos (há lembranças alegres e tristes, há saudade, há arrependimento e remorso). Em segundo lugar, também não se poderia explicar o esquecimento, pois se tudo está espontânea e automaticamente registrado e gravado em nosso cérebro, não poderíamos esquecer coisa alguma, nem poderíamos ter dificuldade para lembrar certas coisas e facilidade para recordar outras tantas.
Isso não significa que não haja um componente biológico, fisiológico ou cerebral na memória, pois os estudos científicos mostram não só as zonas do cérebro responsáveis pela memória, como também os estudos bioquímicos mostram o papel de algumas substâncias químicas na produção e conservação da memória. O que estamos dizendo é que os aspectos biológicos e químicos da memória não explicam o fenômeno no seu todo, isto é, como forma de conhecimento e de componente afetivo de nossas vidas.
Podemos dizer que, em nosso processo de memorização, entram componentes objetivos e componentes subjetivos para formar as lembranças.
São componentes objetivos: as atividades físico-fisiológicas e químicas de gravação e registro cerebral das lembranças, bem como a estrutura do objeto que será lembrado. Assim, por exemplo, a psicologia da Gestalt mostra que temos maior facilidade para memorizar uma melodia do que sons isolados ou dispersos; que memorizamos mais facilmente figuras regulares (círculo, quadrado, triângulo, etc.) do que um conjunto disperso de linhas.
São componentes subjetivos: a importância do fato e da coisa para nós; o significado emocional ou afetivo do fato ou da coisa para nós; o modo como alguma coisa nos impressionou e ficou gravada em nós; a necessidade para nossa vida prática ou para o desenvolvimento de nossos conhecimentos; o prazer ou dor que um fato ou alguma coisa produziram em nós, etc. Em outras palavras, mesmo que nosso cérebro grave e registre tudo, não é isso a memória e sim o que foi gravado com um sentido ou com um significado para nós e para os outros.


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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