Fenomenologia, estruturalismo e marxismo
A constituição das ciências humanas como ciências específicas consolidou-se
a partir das contribuições de três correntes de pensamento, que, entre os anos
20 e 50 do século passado, provocaram uma ruptura epistemológica e uma
revolução científica no campo das humanidades.
A contribuição da fenomenologia
Como vimos em vários momentos deste livro, a fenomenologia introduziu a
noção de essência ou significação como um conceito que permite diferenciar
internamente uma realidade de outras, encontrando seu sentido, sua forma, suas
propriedades e sua origem.
Dessa maneira, a fenomenologia começou por permitir que fosse feita a
diferença rigorosa entre a esfera ou região da essência “Natureza” e a esfera
ou região da essência “homem”. A seguir, permitiu que a esfera ou região
“homem” fosse internamente diferenciada em essências diversas: o psíquico, o
social, o histórico, o cultural. Com essa diferenciação, garantia às ciências
humanas a validade de seus projetos e campos científicos de investigação:
psicologia, sociologia, história, antropologia, linguística, economia.
Qual a diferença entre a perspectiva positivista e a fenomenológica? Dois
exemplos podem ajudar-nos a compreendê-la.
Recusando a perspectiva metafísica, que se referia ao psíquico em termos de
alma e de interioridade, a psicologia volta-se para o estudo dos fatos
psíquicos diretamente observáveis. Ao radicalizar essa concepção, a psicologia
positivista fazia do psiquismo uma soma de elementos físico-químicos,
anatômicos e fisiológicos, de sorte que não havia, propriamente falando, um
objeto científico denominado “o psíquico”, mas efeitos psíquicos de causas
não-psíquicas (físicas, químicas, fisiológicas, anatômicas). Por isso, a
psicologia considerava-se uma ciência natural próxima da biologia, tendo como objeto
o comportamento como um fato externo, observável e experimental.
Ao contrário, a psicologia como ciência humana do psiquismo tornou-se
possível a partir do momento em que um conjunto de fatos internos e externos
ligados à consciência (sensação, percepção, motricidade, linguagem, etc.)
puderam ser definidos como dotados de significação objetiva própria.
Recusando a perspectiva da filosofia da História, que considerava as
sociedades etapas culturais e civilizatórias de um processo histórico
universal, a sociologia volta-se para o estudo dos fatos sociais observáveis.
Inspirando-se nas ciências naturais, a sociologia positivista fazia da
sociedade uma soma de ações individuais e tomava o indivíduo como elemento
observável e causa do social, de sorte que não havia a sociedade como um objeto
ou uma realidade propriamente dita, mas um efeito de ações psicológicas dos
indivíduos. Somente a definição do social como algo essencialmente diferente do
psíquico e como não sendo a mera soma de ações individuais permitiu o
surgimento da sociologia como ciência propriamente dita.
Em resumo, antes da fenomenologia, cada uma das ciências humanas desfazia
seu objeto num agregado de elementos de natureza diversa do todo, estudava as
relações causais externas entre esses elementos e as apresentava como
explicação e lei de seu objeto de investigação. A fenomenologia garantiu às
ciências humanas a existência e a especificidade de seus objetos.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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