A PROVIDÊNCIA E O ESCÂNDALO DO MAL
309. Se Deus Pai
todo-poderoso, Criador do mundo ordenado e bom, tem cuidado com todas as suas
criaturas, porque é que o mal existe? A esta questão, tão premente como
inevitável, tão dolorosa como misteriosa, não é possível dar uma resposta
rápida e satisfatória. É o conjunto da fé cristã que constitui a resposta a
esta questão: a bondade da criação, o drama do pecado, o amor paciente de Deus
que vem ao encontro do homem pelas suas alianças, pela Encarnação redentora de
seu Filho, pelo dom do Espírito, pela agregação à Igreja, pela força dos
sacramentos, pelo chamamento à vida bem-aventurada, à qual as criaturas livres
são de antemão convidadas a consentir, mas à qual podem, também de antemão,
negar-se, por um mistério terrível. Não há nenhum pormenor da mensagem
cristã que não seja, em parte, resposta ao problema do mal.
310. Mas, porque é que
Deus não criou um mundo tão perfeito que nenhum mal pudesse existir nele? No
seu poder infinito, Deus podia sempre ter criado um mundo melhor (149). No
entanto, na sua sabedoria e bondade infinitas, Deus quis livremente criar um
mundo «em estado de caminho» para a perfeição última. Este devir implica, no
desígnio de Deus, juntamente com o aparecimento de certos seres, o
desaparecimento de outros; o mais perfeito, com o menos perfeito; as
construções da natureza, com as suas destruições. Com o bem físico também
existe, pois, o mal físico, enquanto a criação não tiver atingido a
perfeição (150).
311. Os anjos e os
homens, criaturas inteligentes e livres, devem caminhar para o seu último
destino por livre escolha e amor preferencial. Podem, por conseguinte,
desviar-se. De fato, pecaram. Foi assim que entrou no mundo o mal
moral, incomensuravelmente mais grave que o mal físico. Deus não é, de
modo algum, nem direta nem indiretamente, causa do mal moral (151). No entanto,
permite-o por respeito pela liberdade da sua criatura e misteriosamente sabe
tirar dele o bem:
«Deus todo-poderoso [...]
sendo soberanamente bom, nunca permitiria que qualquer mal existisse nas suas
obras se não fosse suficientemente poderoso e bom para do próprio mal, fazer
surgir o bem» (152).
312. Assim, com o
tempo, é possível descobrir que Deus, na sua onipotente Providência, pode tirar
um bem das consequências dum mal (mesmo moral), causado pelas criaturas: «Não,
não fostes vós – diz José a seus irmãos – que me fizestes vir para aqui. Foi
Deus. [...] Premeditastes contra mim o mal: o desígnio de Deus aproveitou-o
para o bem [...] e um povo numeroso foi salvo» (Gn, 45, 8; 50, 20) (153).
Do maior mal moral jamais praticado, como foi o repúdio e a morte do Filho de
Deus, causado pelos pecados de todos os homens, Deus, pela superabundância da
sua graça (154), tirou o maior dos bens: a glorificação de Cristo e a nossa
redenção. Mas nem por isso o mal se transforma em bem.
313. «Tudo concorre
para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm 8, 28). O testemunho dos santos
não cessa de confirmar esta verdade:
Assim, Santa Catarina de
Sena diz aos «que se escandalizam e se revoltam contra o que lhes acontece»:
«Tudo procede do amor, tudo está ordenado para a salvação do homem, e não com
nenhum outro fim» (155).
E S. Tomás Moro, pouco antes
do seu martírio, consola a filha com estas palavras: «Nada pode acontecer-me
que Deus não queira. E tudo o que Ele quer, por muito mau que nos pareça, é, na
verdade, muito bom»(156).
E Juliana de Norwich: «Compreendi,
pois, pela graça de Deus, que era necessário ater-me firmemente à fé [...] e
crer, com não menos firmeza, que todas as coisas serão para bem
[...]». «Thou shalt see thyself that all manner of thing shall be
well» (157).
314. Nós cremos
firmemente que Deus é o Senhor do mundo e da história. Muitas vezes, porém, os
caminhos da sua Providência são-nos desconhecidos. Só no fim, quando acabar o
nosso conhecimento parcial e virmos Deus «face a face» (1 Cor 13,
12), é que nos serão plenamente conhecidos os caminhos pelos quais, mesmo
através do mal e do pecado, Deus terá conduzido a criação ao repouso
desse Sábado (158) definitivo, em vista do qual criou o céu e a
terra.
Notas:
149. Cf. São Tomás de
Aquino, Summa theologiae, 1, q. 25, a. 6: Ed. Leon. 4, 298-299.
150. São Tomás de
Aquino, Summa contra gentiles, 3, 71: Ed. Leon. 14. 209-211.
151. Cf. Santo
Agostinho, De libero arbitrio, 1, 1, 1: CCL 29, 211 (PL
32. 1221-1223): Santo Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q.
79, a. l: Ed. Leon. 7, 76-77.
152. Santo
Agostinho, Enchiridion de fide, spe et caritate. 3. 11: CCL 46, 53
(PL 40, 236).
153. Cf. Tb
2. 12-18 vulg.
154. Cf. Rm 5, 20.
155. Santa Catarina de
Sena, ll dialogo della Divina provvidenza, 138: ed. G.
Cavallini (Roma 1995) p. 441.
156. Margarita
Roper, Epistola ad Aliciam Alington (Agosto 1534): The
Correspondence of Sir Thomas More, ed. E. F. Rogers (Princeton 1947), p.
531-532. [Texto no Ofício de Leituras da memória de São Tomás Moro a 22 de
Junho].
157. Juliana de
Norwich, Revelatio 13, 32: A Book of Showings to the Anchoress
Julian of Norwich. ed. E. Colledge — J. Walsh, vol.. 2 (Toronto 1978), p.
426 e 422.
158. Cf. Gn 2. 2.
Fonte: Catecismo da Igreja Católica (versão digital). Disponível: www.catolicoorante.com.br. Acesso: 10/ago/2020
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