"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

A Razão



Já tivemos a chance de conhecer um pouquinho das histórias que são contadas a respeito de deuses e pessoas, tudo para tentar entender melhor o que é isto chamado Razão. Mas não tivemos chance de compará-las efetivamente. Ao que tudo indica, as duas histórias, sem levar em consideração se realmente aconteceram ou não, podem ser encaradas como maneiras de se falar a respeito de como os humanos, homens e mulheres, abandonaram um tipo de pensamento para se concentrarem em um outro tipo. Isto é, como passaram do uso exclusivo da fé para o uso exclusivo da Razão, com o objetivo de criarem suas explicações para o que acontecia na superfície do mundo.
Na mitologia judaica, a serpente corporifica a figura do diabo, que tenta causar danos às criaturas de Deus. Ao que parece, ela obteve êxito, pois fez com que Adão e Eva fossem expulsos do paraíso quando comeram do fruto da árvore do conhecimento. O argumento utilizado pela serpente para que ambos quisessem comer deste fruto, apesar das ordens expressas de seu criador em contrário, era de que, ao fazê-lo, Adão e Eva poderiam saber tanto quanto o próprio Deus. Rapidamente, Ele não permitiu que suas criaturas também comessem do fruto da árvore da vida para que não se tornassem seus iguais, expulsando-os e fazendo com que eles, seus filhos e netos, sofressem o destino de viverem na Terra com dores e trabalho.
Nesta história, o fruto da árvore do conhecimento representa a Razão, que o homem obtém por uma mentira maligna de quem lhe queria mal. Neste caso, a Razão é encarada como uma coisa má, como uma praga que fez com que o homem fosse expulso do Paraíso e jogado numa vida de labuta e sofrimento. Nós, os herdeiros deste homem, também somos herdeiros desta praga e devemos, segundo esta história, carregar o peso da Razão sobre os nossos ombros. O conhecimento, neste caso, parece ter trazido mais prejuízo que lucro.
Esta história é uma metáfora, uma maneira indireta de dizer que foi um erro abandonar a antiga maneira de conduzir as coisas pela nova. Os pensamentos, a Razão, seriam frutos malignos que poderiam nos fornecer um certo poder na Terra, mas que cobraria um preço demasiadamente alto por isso. Devemos lembrar que estamos analisando estas histórias de acordo como elas se apresentam a nós, sem deixar que nossas próprias crenças pessoais interfiram em nossos julgamentos a respeito delas.
Já na mitologia grega, a história de Prometeu nos conduz a um resultado muito semelhante. Ainda que não fosse com intenções malignas, a Razão, representada agora pelo fogo, nos foi presenteada por um ser com poderes superhumanos, um imortal, sem a autorização de seu legítimo dono, Zeus. O resultado disso também foi prejudicial. Zeus, com medo de que a zombaria tornasse a repetir-se, castigou Prometeu terrivelmente e presenteou os homens com dores e sofrimentos na forma da beleza feminina: Pandora.
Podemos notar que este segundo final possui a mesma moral que a da primeira história, ou seja, na história de Prometeu também foi um erro abandonar a antiga forma de pensamento, de explicações, de crenças, por novos. No primeiro mito, o ser humano surrupiou o conhecimento, adquirindo a Razão de maneira impetuosa e, ainda que sendo enganados, tiveram que arcar com as conseqüências. Já no segundo, os seres humanos nem sequer agiram, apenas receberam um presente e com ele também uma série de terríveis punições. No primeiro caso há um crime a ser punido, a Razão é roubada; no segundo caso há apenas o destino que se aceita, um destino amargo e inevitável da perda da fé.
Tivemos que falar um pouquinho sobre estas histórias para poder abrir caminho para o que se pode entender por Razão. Logo, Razão significa, entre muitas outras coisas, um esforço, uma capacidade, uma habilidade, conquistada ou simplesmente recebida da natureza, para assimilar, refletir e explicar os eventos naturais externos e internos a cada um, em particular, e a todos de maneira geral. Mas para muita gente Razão significa apenas a capacidade de pensar sobre as coisas ao nosso redor sem, necessariamente, se apelar para explicações sobrenaturais, como deuses, diabos etc.
Desta forma, a Razão, de um jeito ou de outro que a entendamos, parece se opor ao que compreendemos por Fé, crença, estado de espírito, sentimentos, desejos e muitas outras possíveis situações da alma humana. É claro que nem todos abandonaram as explicações religiosas pelas explicações racionais, muitos de nós mantemos a nossa fé. Quando falamos que o homem, o ser humano, ou as pessoas do mundo trocaram as explicações supersticiosas pelas de cunho científico, por meio do uso da Razão, estamos nos referindo àquelas pessoas que detém o poder de governar o planeta e fazer valer a sua opinião acima das opiniões de outras pessoas que muitas vezes somam a maioria.


Fonte: Palavra em Ação. CD-ROM, Claranto Editora.

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