O conhecimento filosófico
Para iniciarmos nosso caminho na estrada que leva à
investigação crítica da filosofia, temos que saber um pouco de como, passo a
passo, o conhecimento foi se modificando no decorrer da história. É preciso
saber como a filosofia foi se estruturando na medida em que os diversos
pensadores foram tomando conhecimento dos trabalhos uns dos outros,
criticando-os, fazendo sugestões, tendo idéias.
É difícil imaginarmos que o conhecimento filosófico, desde a
época de Sócrates, Platão e Aristóteles, tenha aumentado ou diminuído.
Geralmente pensamos apenas que ele se modificou, adquirindo elementos novos e
perdendo outros tantos na mesma medida. Isto acontece porque não tratamos o
conhecimento filosófico como, por exemplo, tratamos o conhecimento sobre as
diversas tecnologias.
Explicando melhor, é fácil percebemos a melhora que ocorre
nas modificações que os engenheiros fazem nos carros de ano para ano, ou nos
computadores, ou nas televisões, ou nos aviões etc. Simplesmente porque eles são
capazes de aperfeiçoar peças, tirar erros de projeto, melhorar o desempenho
geral e assim por diante; estes engenheiros são capazes de acumular um saber
específico sobre um determinado ponto e, assim, a sua bagagem teórica e prática
cresce sem nunca diminuir. Percebe-se, assim, porque uma lâmpada projetada nos
dias de hoje não pode ser inferior, ou de igual qualidade, à primeira lâmpada
inventada na história.
Já na filosofia as coisas mudam um pouco de figura. O saber
que os filósofos acumulam é de ordem histórica; sabemos quem foi Sócrates,
sabemos de suas idéias, onde viveu a maior parte de sua vida, de que maneira
morreu etc. Porém, há algo que não se pode acumular e que é vital para se ser
um bom pensador. Este algo é a capacidade de saber lidar com a informação que
se recebe de modo a fazer dela algo novo, um conhecimento crítico.
Desta maneira, muito raramente temos, nos dias de hoje, o
mesmo tipo de produção filosófica com a qualidade extremamente inovadora como
foi a de 2400 anos atrás. Estamos acostumados a pensar que o tempo presente e o
futuro sempre trazem coisas melhores, mais aperfeiçoadas. Mas podemos perceber
que, pelo menos em filosofia, esta não é uma regra geral. É claro que, nos dias
de hoje, raramente encontramos alguém com as mesmas idéias de Platão ou de
Aristóteles, em suas peculiaridades, porém as linhas gerais que estes
pensadores tornaram públicas nos seus trabalhos possuíam tanta originalidade,
tanta criatividade, que ainda são bastante atuais nos dias de hoje.
Percebemos que o que torna a filosofia um conhecimento
diferente da maioria é que ela possui um movimento dinâmico, extremamente
complexo, de ida e volta às suas raízes. Na verdade, ela nunca esquece o seu
passado, as suas origens, e está sempre tentando mostrar coisas que os antigos
filósofos não eram capazes de perceber; porém esta é uma tarefa difícil na
medida em que os filósofos, em sua maioria, antecipam essas críticas e criam
sistemas de pensamento quase indestrutíveis.
No centro da filosofia, mais do que o saber histórico, que
também possui a sua devida importância introdutória às questões pertinentes ao
conhecimento prático, está a capacidade criativa do pensador. Esta capacidade
criativa será diferente de um para o outro, porém ela sempre existe e é ela que
nos faz inventar perguntas dos mais diversos tipos, é ela que nos move a
pensar, é ela que nos impulsiona a explicar as coisas, a criar maneiras e
sistemas de compreender o mundo.
Só assim, dentro de nós, sentimos uma espécie de
contentamento, uma saciedade que é muito parecida com a saciedade que sentimos
depois de comer. Assim como a fome, a ignorância sobre determinado assunto
também nos faz sentir um pouco vazios e este vazio nos faz querer buscar algo
que o preencha. Uma vez preenchidos, nos sentimos bem, porém, mais tarde,
aparecerá uma nova dúvida, uma nova pergunta que pedirá mais uma resposta num
processo sem fim. Como a fome pede um alimento para o corpo, a ignorância nos
faz querer um alimento para o espírito, para a inteligência; no entanto, este sempre
precisará de mais e mais para se tornar cada vez mais forte, mais crítico.
Todavia, exatamente como a fome extrema, também a ignorância extrema nos deixa
fracos e preguiçosos intelectualmente; deixamos de querer saber para ficarmos
parados e quietos, enquanto nosso espírito definha.
A conclusão a que chegamos a este respeito é a de que o
espírito, a mente, deve ser bem alimentado para que cresça forte e desenvolva
esta bela qualidade intrinsecamente humana: a capacidade de pensar por si
mesma. Só assim se exercita a habilidade crítica, que é inata a todos, mas que
está dormente, subnutrida, em muitos que não tiveram acesso à informação. Uma
vez desenvolvida, ela nunca pára de crescer e de dar frutos. Estes frutos são
as idéias originais como foram, por exemplo, as de Sócrates, Platão e
Aristóteles. Por sua vez, estes frutos serão o alimento filosófico para os que
vêm depois e que possam estar famintos por conhecimento.
Fonte: Palavra em Ação. CD-ROM, Claranto Editora.
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