"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

O Iluminismo (Parte 02/03)



— À semelhança dos humanistas da Antigüidade, como Sócrates e os estóicos, a maioria dos filósofos do Iluminismo tinha uma crença inabalável na razão humana. Isto era algo tão evidente que muitos chamam o período do Iluminismo francês simplesmente de “racionalismo”. A nova ciência natural deixara claro que tudo na natureza era racional. Assim, os filósofos iluministas consideravam sua tarefa criar um alicerce para a moral, a ética e a religião que estivesse em sintonia com a razão imutável do homem. E isto levou ao pensamento do Iluminismo propriamente dito. 
— Nosso terceiro ponto.
— Dizia-se, então, que era chegado o momento de “iluminar” as amplas camadas da população, ou seja, de esclarecê-las. Esta seria a condição sine qua non de uma sociedade melhor. Entre o povo, porém, imperavam a incerteza e a superstição. Por isso, dedicou-se especial atenção à educação. Não é por acaso que a pedagogia, como ciência, foi fundada na época do Iluminismo.
— Quer dizer que o sistema educacional vem da Idade Média e a pedagogia do Iluminismo.
— Podemos dizer que sim. O grande monumento do Iluminismo é, paradigmaticamente, uma enciclopédia. Refiro-me à chamada Enciclopédia surgida entre 1751 e 1772 em vinte e oito volumes, com contribuições de todos os grandes filósofos iluministas. Dizia-se que ali “havia de tudo, da produção de agulhas à fundição de canhões”.
— O próximo ponto é o otimismo cultural.
— Você poderia deixar este cartão de lado enquanto estou falando?
— Desculpe.
— Os filósofos iluministas diziam que somente quando a razão e o conhecimento se tivessem difundido entre todos é que a humanidade faria grandes progressos. Era apenas uma questão de tempo para que desaparecessem a irracionalidade e a ignorância e surgisse uma humanidade iluminada, esclarecida. Este pensamento dominou a Europa ocidental até há poucos décadas. Hoje não estamos assim tão convencidos de que o progresso do conhecimento leva necessariamente a melhores condições de vida. Mas esta crítica da “civilização” já tinha sido feita pelos próprios filósofos do Iluminismo.
— Então deveríamos ter ouvido o que eles disseram.
— “De volta à natureza!”: esta era a palavra de ordem da crítica à civilização. Só que para os filósofos do Iluminismo a natureza era quase a mesma coisa que a razão. Isto porque, para eles, a razão era uma dádiva da natureza ao homem, em oposição, por exemplo, à Igreja ou à civilização. Enfatizava-se que os “povos naturais” eram freqüentemente mais sadios e mais felizes do que os europeus, exatamente porque não possuíam uma civilização. A palavra de ordem “De volta à natureza” é de Jean-Jacques Rousseau. Ele dizia que a natureza era boa e que o homem, portanto, era “naturalmente bom”. Todo o mal estaria na sociedade civilizada, que afasta o homem de sua natureza. Por isso Rousseau também queria que as crianças vivessem por mais tempo possível em seu estado “natural” de inocência. Podemos dizer que a noção de um valor próprio da infância vem do Iluminismo. Até então, a infância tinha sido vista como uma preparação para a vida adulta. Mas somos todos seres humanos, e vivemos nossa vida na Terra também como crianças.
— Concordo plenamente.
— Por fim, os filósofos do Iluminismo se preocuparam também com uma “religião natural”.
— E o que eles queriam dizer com isto?
— Queriam dizer que a religião também devia estar em consonância com a “razão natural” do homem. Muitos lutaram por aquilo que podemos chamar de cristianismo humanista, nosso sexto ponto da lista. É claro que também houve os materialistas convictos, que não acreditavam em Deus e professavam o ateísmo. Mas a maioria dos filósofos iluministas achava irracional imaginar um mundo sem Deus. Para eles, o mundo era racional demais para ser encarado de outra forma. Newton, por exemplo, defendera o mesmo ponto de vista. Da mesma forma, a crença na imortalidade da alma era vista como algo racional. À semelhança de Descartes, para os filósofos do Iluminismo a questão de saber se o homem possuía uma alma imortal também era mais uma questão da razão do que da fé.
— É exatamente isto que me incomoda um pouco. Para mim, este é um exemplo típico de algo em que só se pode acreditar, mas que não se pode saber.
— Mas você não vive no século XVIII. Os filósofos iluministas queriam libertar o cristianismo dos muitos dogmas e princípios religiosos irracionais que, ao longo da história da Igreja, tinham sido amalgamados à simplicidade dos ensinamentos de Jesus Cristo.
— Ah, bom. Nesse caso acho que entendo o que eles queriam dizer.
— Muitos também professavam o chamado deísmo.
— Explicação, por favor.

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