"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Só sei que nada sei


Conta a história que, caminhando por Delfos, na Grécia, Sócrates se depara com o templo de Apolo e lê o seguinte numa inscrição: “Conhece-te a ti mesmo”. Impressionado com a força do significado destas palavras, resolve que sua vida será dedicada a este fim, ou seja, investigar a fundo os próprios pensamentos.
Conta outra história que, neste mesmo templo ao deus Apolo, lhe foi dito que ele era o homem mais sábio que já existiu. Contrafeito com esta afirmação e convencido da sua profunda ignorância a respeito de tudo, resolve verificar por si mesmo interrogando os homens que eram considerados mais sábios que ele a respeito da natureza do bem, do bom, do belo, da honra, da justiça. Acontece que toda vez que interrogava um destes sábios constatava que eles também não sabiam realmente nada acerca destas coisas, mas apenas acreditavam saber. 

A cada vez que isto acontecia, percebia que ele era mais sábio que cada um destes homens e que o oráculo de Delfos se realizava, pois ele, pelo menos, sabia que nada sabia, enquanto que as pessoas que ele entrevistava acreditavam saber algo quando, de fato, não sabiam. Sócrates afirmou, então, que, se um homem tem ciência que é ignorante, ele é mais sábio que aquele que não sabe disto. Seu lema era “Só sei que nada sei.” E este era o pontapé inicial para cada discussão que travava com quem quer que fosse. Assim, ele se atribuía a função de mostrar, a quem quer que estivesse dialogando, que esta pessoa apenas acreditava saber algo quando, na verdade, não sabia.
Nestes tempos, a Democracia, enquanto regime político de governo estava começando a ganhar força e as formas de educação anteriores, baseadas nos atos de bravura, força e heroísmo, não serviam mais. O que valia para a democracia era a habilidade do discurso, do convencimento, já que as decisões não eram mais tomadas com base na honra dos feitos heroicos particulares praticados nas guerras, mas com base na crença do bem comum, o que era exposto com um discurso bem articulado em lugar público de debate. Portanto, na democracia, a espada cedeu seu lugar à palavra no momento da decisão.
Aproveitando-se deste momento, alguns homens, intitulados sofistas, se encarregavam da educação da oratória e da retórica para os jovens em troca de dinheiro. E isto era bastante sensato, pois o homem de valor, aquele que se destacaria na sociedade democrática grega, seria o que conseguisse convencer pelo uso habilidoso da palavra. Porém Sócrates verificou que a habilidade de convencer as pessoas estava acima de tudo - para ele, os sofistas ensinavam uma retórica vazia já que tanto fazia se o que era dito correspondia à crença na verdade.
Nos muitos debates que este filósofo travou com os sofistas, o ponto crucial era mostrar que acima das opiniões particulares que cada um pudesse ter acerca das disposições humanas, como a beleza, por exemplo, se localizava aquilo que os Pré-Socráticos chamavam de essência. Esta essência correspondia, para cada objeto, o conhecimento verdadeiro que se pudesse ter acerca dele.
Assim, por exemplo, considere alguém belo enquanto esse mesmo alguém é considerado feio por outra pessoa. Isso independe da Ideia (da essência) do Belo que não pode ser vista pelos olhos, mas somente tomada como uma hipótese da Razão. Em outras palavras, Sócrates acreditava que, para reconhecermos alguém como belo ou como o seu contrário, o feio, existia a necessidade de que houvesse uma Ideia do Belo e que pudesse ser pensada por todos. Sem essa ideia não poderia ser possível, segundo ele, termos opiniões particulares sobre a beleza ou sobre a feiura das pessoas.
Assim, segundo a filosofia de Sócrates, enquanto as pessoas nasciam com a beleza natural da juventude e iam se transformando em velhos não tão bonitos, é porque esta beleza física é apenas uma representação, uma cópia que se corrompe com o tempo, da Ideia do Belo que nunca muda, que é sempre a mesma, e que habita em outro mundo: o mundo das ideias.
Assim também ocorre com tudo o que se puder imaginar: a justiça, a honra, a felicidade etc - cada um destes conceitos possuindo duas categorias, a da existência sensível e a da existência inteligível. A existência sensível é a que pode ser percebida com os olhos, com o nariz, com as mãos, com os ouvidos ou por meio do gosto; mas a existência inteligível só pode ser percebida com o pensamento articulado pela Razão.
Para entender melhor, tomemos um exemplo, o do número “1”. O número “1”, ou qualquer outro número, possui diversas representações diferentes. Ele pode ser representado por “I”, ou por “1”, ou, ainda, por “1”. Existem infinitas maneiras diferentes de representar o número “1”, porém o que Sócrates queria mostrar é que existe apenas uma ideia para ele. Esta ideia não pode ser vista, tocada ou ouvida e, por este motivo, inventamos desenhos como estes para representá-la.
Por sua vez, Sócrates entendia que a verdade só pode ser expressa quando relacionada com a categoria incorruptível da ideia, da essência; enquanto que, toda vez que mencionamos exemplos particulares em nossos argumentos para explicar o que fosse o belo, ou o bom etc, estaríamos, na verdade, afirmando opiniões variadas sobre o mundo e que, portanto, não correspondem, necessariamente, a nada verdadeiro.

Fonte: Palavra em Ação.
CD-ROM, Claranto Editora.

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