A fenomenologia e a imaginação
Quando falamos em imagens, referimo-nos a coisas bastante
diversas: quadros, esculturas, fotografias, filmes, reflexos num espelho ou nas
águas, ficções literárias, contos, lendas e mitos, figuras de linguagem (como a
metáfora e a metonímia), sonhos, devaneios, alucinações, imitações pela mímica
e pela dança, sons musicais, poesia.
Uma primeira diferença entre essas imagens pode ser logo
notada: algumas se referem a imagens exteriores à nossa consciência (pinturas,
esculturas, fotos, filmes, mímica, etc.), outras podem ser consideradas
internas ou mentais (sonhos, devaneios, alucinações, etc.), enquanto algumas
são externas e internas ao mesmo tempo (no caso da ficção literária, por
exemplo, a imagem é externa, pois está no livro, e é interna, pois leio
palavras e com elas imagino).
No entanto, algo é comum a todas elas: oferecem-nos um análogo
das próprias coisas, seja porque estão no lugar das próprias coisas, seja
porque nos fazem imaginar coisas através de outras.
A segunda diferença entre as imagens decorre do tipo de
análogo que cada uma delas propõe. Um análogo pode ser um símbolo (a bandeira é
um símbolo da nação), uma metáfora (dizer “a primavera da vida” para referir-se
à juventude), uma ilustração (a foto de alguém junto a uma notícia de jornal ou
uma paisagem num livro de contos), um esquema (a planta de uma casa ou de uma
máquina), um signo (vejo a luz vermelha do semáforo e ela é o signo de uma
ordem: “Pare!”), um sentimento (a emoção que sinto ao ouvir uma sinfonia), um
substituto (um armário transformado em navio pela criança que brinca).
Embora sejam diferentes pela natureza da analogia, as
imagens novamente possuem algo em comum: raramente ou quase nunca a imagem
corresponde materialmente à coisa imaginada. Por exemplo, a bandeira e a nação
são materialmente diferentes, os sons da sinfonia e meus sentimentos são
diferentes, a fotografia e a pessoa fotografada são materialmente diferentes,
um mímico que imita uma janela ou uma locomotiva não é nem uma coisa nem outra,
etc. Notamos, assim, que é próprio das imagens algo que suporíamos próprio apenas
da ficção, isto é, as imagens são irreais, quando comparadas ao que é
imaginado através delas. Um quadro é real enquanto quadro percebido, mas é
irreal se comparado à paisagem da qual é imagem.
Apesar de irreal e, justamente por ser irreal, a
imagem é dotada de um poder especial: torna presente ou presentifica algo
ausente, seja porque esse algo existe e não se encontra onde estamos, seja
porque é inexistente. No primeiro caso, a imagem ou o análogo é testemunha
irreal de alguma coisa existente; no segundo, é a criação de uma
realidade imaginária, ou seja, de algo que existe apenas em imagem ou como
imagem. Nos dois casos, porém, o objeto-em-imagem é imaginário.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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