"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

A imaginação na tradição filosófica


A tradição filosófica sempre deu prioridade à imaginação reprodutora, considerada como um resíduo do objeto percebido que permanece retido em nossa consciência. A imagem seria um rastro ou um vestígio deixado pela percepção.
Os empiristas, por exemplo, falam das imagens como reflexos mentais das percepções ou das impressões, cujos traços foram gravados no cérebro. Desse ponto de vista, a imagem e a lembrança difeririam apenas porque a primeira é atual enquanto a segunda é passada. A imagem seria, portanto, a reprodução presente que faço de coisas ou situações presentes.  

Por exemplo, se neste momento eu fechar os olhos, posso imaginar o computador, a mesa de trabalho, os livros nas estantes, o quebra-luz, a porta, a janela. A imagem seria a coisa atual percebida quando ausente. Seria uma percepção enfraquecida, que, associada a outras, formaria as idéias no pensamento.
Os filósofos intelectualistas também consideravam a imaginação uma forma enfraquecida da percepção e, por considerarem a percepção a principal causa de nossos erros (as ilusões e deformações da realidade), também julgavam a imaginação fonte de enganos e erros. Tomando-a como meramente reprodutora, diziam, por exemplo, que a imaginação dos artistas nada mais faz do que juntar de maneira nova imagens de coisas percebidas: um cavalo alado é a junção da imagem de um cavalo percebido com a imagem de asas percebidas; uma sereia, a junção de uma imagem de mulher percebida com a imagem de um peixe percebido.
A imaginação seria, pois, diretamente reprodutora da percepção, no campo do conhecimento, e indiretamente reprodutora da percepção, no campo da fantasia.
Por isso, na tradição filosófica, costumava-se usar a palavra imaginação como sinônimo de percepção ou como um aspecto da percepção. Percebemos imagens das coisas, dizia a tradição.
A tradição, porém, enfrentava alguns problemas que não podia resolver:
● em nossa vida, não confundimos percepção e imagem. Assim, por exemplo, distinguimos perfeitamente a percepção direta de um bombardeio da imagem do que seria uma explosão atômica;
● em nossa vida, não confundimos perceber e imaginar. Assim, por exemplo, distinguimos o sonho da vigília; distinguimos um fato que vemos na rua da cena de um filme;
● em nossa vida, somos capazes de distinguir nossa percepção e a imaginação de uma outra pessoa. Assim, por exemplo, percebemos o sofrimento psíquico de alguém que está tendo alucinações, mas não somos capazes de alucinar junto com ela.
Dessa maneira, a suposição de que entre a percepção e a imaginação, entre o percebido e a imagem haveria apenas uma diferença de grau ou de intensidade (a imagem seria uma percepção fraca e a percepção seria a imagem forte) não se mantém, pois há uma diferença de natureza ou uma diferença de essência entre ambas.


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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