"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Cotidiano e imaginação


Com frequência, ouvimos frases como: “Que falta de imaginação!”, “Por favor, use a sua imaginação!”, “Cuidado! Ela tem muita imaginação!”, “Que nada! Você andou imaginando tudo isso!”, “Não comece a imaginar coisas!”, “Imagine se tivesse sido assim!”.
Essas frases são curiosas porque indicam maneiras bastante diferentes de concebermos o que seja a imaginação. Na frase: “Que falta de imaginação!”, a imaginação é tomada como algo positivo, cuja falta ou ausência é criticada. Imaginar, aqui, aparece como capacidade mais alargada para pensar, para encontrar soluções inteligentes para algum problema, para adivinhar o sentido de alguma coisa que não está muito evidente. Ela aparece, também, como algo que nós temos e que podemos ou não usar.  

Já nas frases: “Cuidado! Ela tem muita imaginação!”, “Que nada! Você andou imaginando tudo isso!” ou “Não comece a imaginar coisas!”, a imaginação é tomada como risco de irrealidade, invencionice, mentira, exagero, excesso. Agora, imaginar é inventar ou exagerar, perder o pé da realidade, assumindo, portanto, um sentido bastante diverso do anterior.
Na frase: “Imagine se tivesse sido assim!”, ou em outra como “Imagine o que ele vai dizer!”, a imaginação é tomada como uma espécie de suposição sobre as coisas futuras, uma espécie de previsão ou de alerta sobre o que poderá ou poderia acontecer como conseqüência de outros acontecimentos.
Apesar de diferentes, essas frases possuem alguns elementos comuns. Em todas elas:
● positiva ou negativamente, a imaginação está referida ao inexistente. Dizer “Use sua imaginação!” significa: faça de outro modo ou invente alguma coisa. Exclamar “Que falta de imaginação!” significa: poderia ter feito muito melhor, poderia ter dito uma coisa muito mais interessante. Alertar com a frase “Cuidado! Ela tem muita imaginação!” significa: ela inventa e exagera. Supor “Imagine o que nos teria acontecido!” significa: criar a imagem de uma situação que não aconteceu;
● a imaginação aparece como algo que possui graus, isto é, pode haver falta ou excesso;
● a imaginação se apresenta como capacidade para elaborar mentalmente alguma coisa possível, algo que não existiu, mas poderia ter existido, ou que não existe, mas poderá vir a existir.
A imaginação surge, assim, como algo impreciso, situada entre dois tipos de invenção – criação inteligente e inovadora, de um lado; exagero, invencionice, mentira, de outro. No primeiro caso ela faz aparecer o que não existia ou mostra ser possível algo que não existe. No segundo caso, ela é incapaz de reproduzir o existente ou o acontecido. Com isso, nossas frases cotidianas apontam os dois principais sentidos da imaginação: criadora e reprodutora.


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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