"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

A proposição



Uma proposição é constituída por elementos que são seus termos.
Aristóteles define os termos ou categorias como “aquilo que serve para designar uma coisa”. São palavras não combinadas com outras e que aparecem em tudo quanto pensamos e dizemos. Há dez categorias ou termos:
1. substância (por exemplo, homem, Sócrates, animal);
2. quantidade (por exemplo, dois metros de comprimento);
3. qualidade (por exemplo, branco, grego, agradável);
4. relação (por exemplo, o dobro, a metade, maior do que);
5. lugar (por exemplo, em casa, na rua, no alto);
6. tempo (por exemplo, ontem, hoje, agora);
7. posição (por exemplo, sentado, deitado, de pé);
8. posse (por exemplo, armado, isto é, tendo armas);
9. ação (por exemplo, corta, fere, derrama);
10. paixão ou passividade (por exemplo, está cortado, está ferido).  

As categorias ou termos indicam o que uma coisa é ou faz, ou como está. São aquilo que nossa percepção e nosso pensamento captam imediata e diretamente numa coisa, não precisando de qualquer demonstração, pois nos dão a apreensão direta de uma entidade simples. Possuem duas propriedades lógicas: a extensão e a compreensão.
Extensão é o conjunto de objetos designados por um termo ou uma categoria. Compreensão é o conjunto de propriedades que esse mesmo termo ou essa categoria designa. Por exemplo: uso a palavra homem para designar Pedro, Paulo, Sócrates, e uso a palavra metal para designar ouro, ferro, prata, cobre.
A extensão do termo homem será o conjunto de todos os seres que podem ser designados por ele e que podem ser chamados de homens; a extensão do termo metal será o conjunto de todos os seres que podem ser designados como metais. Se, porém, tomarmos o termo homem e dissermos que é um animal, vertebrado, mamífero, bípede, mortal e racional, essas qualidades formam sua compreensão. Se tomarmos o termo metal e dissermos que é um bom condutor de calor, reflete a luz, etc., teremos a compreensão desse termo.
Quanto maior a extensão de um termo, menor sua compreensão, e quanto maior a compreensão, menor a extensão. Se, por exemplo, tomarmos o termo Sócrates, veremos que sua extensão é a menor possível, pois possui todas as propriedades do termo homem e mais suas próprias propriedades enquanto uma pessoa determinada. Essa distinção permite classificar os termos ou categorias em três tipos:
1. gênero: extensão maior, compreensão menor. Exemplo: animal;
2. espécie: extensão média e compreensão média. Exemplo: homem;
3. indivíduo: extensão menor, compreensão maior. Exemplo: Sócrates.
Na proposição, as categorias ou termos são os predicados atribuídos a um sujeito. O sujeito (S) é uma substância; os predicados (P) são as propriedades atribuídas ao sujeito; a atribuição ou predicação se faz por meio do verbo de ligação ser. Por exemplo: Pedro é alto.
A proposição é um discurso declarativo (apofântico), que enuncia ou declara verbalmente o que foi pensado e relacionado pelo juízo. A proposição reúne ou separa verbalmente o que o juízo reuniu ou separou mentalmente.
A reunião ou separação dos termos recebe o valor de verdade ou de falsidade quando o que foi reunido ou separado em pensamento e linguagem está reunido ou separado na realidade (verdade), ou quando o que foi reunido ou separado em pensamento e linguagem não está reunido ou separado na realidade (falsidade). A reunião se faz pela afirmação: S é P. A separação se faz pela negação: S não é P.
A proposição representa o juízo (coloca o pensamento na linguagem) e a realidade (declara o que está unido e o que está separado).
Do ponto de vista do sujeito, existem dois tipos de proposições:
1. proposição existencial: declara a existência, posição, ação ou paixão do sujeito. Por exemplo: “Um homem é (existe)”, “Um homem anda”, “Um homem está ferido”. E suas negativas: “Um homem não é (não existe)”, “Um homem não anda”, “Um homem não está ferido”;
2. proposição predicativa: declara a atribuição de alguma coisa a um sujeito por meio da cópula é. Por exemplo: “Um homem é justo”, “Um homem não é justo”.
As proposições se classificam segundo a qualidade e quantidade.
Do ponto de vista da qualidade, as proposições de dividem em:
afirmativas: as que atribuem alguma coisa a um sujeito: S é P.
negativas: as que separam o sujeito de alguma coisa: S não é P.
Do ponto de vista da quantidade, as proposições se dividem em:
universais: quando o predicado se refere à extensão total do sujeito, afirmativamente (Todos os S são P) ou negativamente (Nenhum S é P);
particulares: quando o predicado é atribuído a uma parte da extensão do sujeito, afirmativamente (Alguns S são P) ou negativamente (Alguns S não são P);
singulares: quando o predicado é atribuído a um único indivíduo, afirmativamente (Este S é P) ou negativamente (Este S não é P).
Além da distinção pela qualidade e pela quantidade, as proposições se distinguem pela modalidade, sendo classificadas como:
necessárias: quando o predicado está incluído necessariamente na essência do sujeito, fazendo parte dessa essência. Por exemplo: “Todo triângulo é uma figura de três lados”, “Todo homem é mortal”;
não-necessárias ou impossíveis: quando o predicado não pode, de modo algum, ser atribuído ao sujeito. Por exemplo: “Nenhum triângulo é figura de quatro lados”, “Nenhum planeta é um astro com luz própria”;
possíveis: quando o predicado pode ser ou deixar de ser atribuído ao sujeito. Por exemplo: “Alguns homens são justos”.
Como todo pensamento e todo juízo, a proposição está submetida aos três princípios lógicos fundamentais, condições de toda verdade:
1. princípio da identidade: um ser é sempre idêntico a si mesmo: A é A;
2. princípio da não-contradição: é impossível que um ser seja e não seja idêntico a si mesmo ao mesmo tempo e na mesma relação. É impossível que A seja A e não-A;
3. princípio do terceiro excluído: dadas duas proposições com o mesmo sujeito e o mesmo predicado, uma afirmativa e outra negativa, uma delas é necessariamente verdadeira e a outra necessariamente falsa. A é x ou não-x, não havendo terceira possibilidade.
Graças a esses princípios, obtemos a última maneira pela qual as proposições se distinguem. Trata-se da classificação das proposições segundo a relação:
contraditórias: quando temos o mesmo sujeito e o mesmo predicado, uma das proposições é universal afirmativa (Todos os S são P) e a outra é particular negativa (Alguns S não são P); ou quando se tem uma universal negativa (Nenhum S é P) e uma particular afirmativa (Alguns S são P);
contrárias: quando, tendo o mesmo sujeito e o mesmo predicado, uma das proposições é universal afirmativa (Todo S é P) e a outra é universal negativa (Nenhum S é P); ou quando uma das proposições é particular afirmativa (Alguns S são P) e a outra é particular negativa (Alguns S não são P);
subalternas: quando uma universal afirmativa subordina uma particular afirmativa de mesmo sujeito e predicado, ou quando uma universal negativa subordina uma particular negativa de mesmo sujeito e predicado.
Quando a proposição é universal e necessária (seja afirmativa ou negativa), diz-se que ela declara um juízo apodítico. Quando a proposição é universal ou particular possível (afirmativa ou negativa), diz-se que ela declara um juízo hipotético, cuja formulação é: Se… então… Quando a proposição é universal ou particular (afirmativa ou negativa) e comporta uma alternativa que depende dos acontecimentos ou das circunstâncias, diz-se que ela declara um juízo disjuntivo, cuja formulação é: Ou… ou…
Assim, a proposição “Todos os homens são mortais” e a proposição “Nenhum triângulo é uma figura de quatro lados” são apodíticas. A proposição “Se a educação for boa, ele será virtuoso” é hipotética. A proposição “Ou choverá amanhã ou não choverá amanhã” é disjuntiva.


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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