O aparecimento da lógica: Heráclito e Parmênides
Quando estudamos o nascimento da
Filosofia, vimos que os primeiros filósofos se preocupavam com a origem, a
transformação e o desaparecimento de todos os seres. Preocupavam-se com o devir.
Duas grandes tendências adotaram posições opostas a esse respeito, na época do
surgimento da Filosofia: a do filósofo Heráclito de Éfeso e a do filósofo
Parmênides de Eléia.
Heráclito afirmava que somente o
devir ou a mudança é real. O dia se torna noite, o inverno se torna primavera,
esta se torna verão, o úmido seca, o seco umedece, o frio esquenta, o quente
esfria, o grande diminui, o pequeno cresce, o doente ganha saúde, a treva se
faz luz, esta se transforma naquela, a vida cede lugar à morte, esta dá origem
àquela.
O mundo, dizia Heráclito, é um fluxo
perpétuo onde nada permanece idêntico a si mesmo, mas tudo se transforma no
seu contrário. A luta é a harmonia dos contrários, responsável pela ordem
racional do universo. Nossa experiência sensorial percebe o mundo como se tudo
fosse estável e permanente, mas o pensamento sabe que nada permanece, tudo se
torna contrário de si mesmo. O logos é a mudança e a contradição.
Parmênides, porém, afirmava que
o devir, o fluxo dos contrários, é uma aparência, mera opinião que
formamos porque confundimos a realidade com as nossas sensações, percepções e
lembranças. O devir dos contrários é uma linguagem ilusória, não existe, é
irreal, não é. É o Não-Ser, o nada, impensável e indizível. O que existe
real e verdadeiramente é o que não muda nunca, o que não se torna oposto a si
mesmo, mas permanece sempre idêntico a si mesmo, sem contrariedades internas. É
o Ser.
Pensar e dizer só são possíveis
se as coisas que pensamos e dizemos guardarem a identidade, forem permanentes.
Só podemos dizer e pensar aquilo que é sempre idêntico a si mesmo. Por isso
somente o Ser pode ser pensado e dito. Nossos sentidos nos dão a aparência
mutável e contraditória, o Não-Ser; somente o pensamento puro pode alcançar e
conhecer aquilo que é ou existe realmente, o Ser, e dizê-lo em sua verdade. O logos
é o ser como pensamento e linguagem verdadeiros e, portanto, a verdade é a
afirmação da permanência contra a mudança, da identidade contra a contradição
dos opostos.
Assim, Heráclito afirmava que a
verdade e o logos são a mudança das coisas nos seus contrários, enquanto
Parmênides afirmava que são a identidade do Ser imutável, oposto à aparência
sensível da luta dos contrários. Parmênides introduz a idéia de que o que é
contrário a si mesmo, ou se torna o contrário do que era, não pode ser
(existir), não pode ser pensado nem dito porque é contraditório, e a
contradição é o impensável e o indizível, uma vez que uma coisa que se torne
oposta de si mesma destrói-se a si mesma, torna-se nada. Para Heráclito, a
contradição é a lei racional da realidade; para Parmênides, a identidade é essa
lei racional.
A história da Filosofia grega
será a história de um gigantesco esforço para encontrar uma solução para o
problema posto por Heráclito e Parmênides, pois, se o primeiro tiver razão, o
pensamento deverá ser um fluxo perpétuo e a verdade será a perpétua contradição
dos seres em mudança contínua; mas se Parmênides tiver razão, o mundo em que
vivemos não terá sentido, não poderá ser conhecido, será uma aparência
impensável e viveremos na ilusão.
Será preciso, portanto, uma
solução que prove que a mudança e os contrários existem e podem ser pensados,
mas, ao mesmo tempo, que prove que a identidade ou permanência dos seres também
existe, é verdadeira e pode ser pensada. Como encontrar essa solução?
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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