"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

O silogismo



Aristóteles elaborou uma teoria do raciocínio como inferência. Inferir é tirar uma proposição como conclusão de uma outra ou de várias outras proposições que a antecedem e são sua explicação ou sua causa. O raciocínio é uma operação do pensamento realizada por meio de juízos e enunciada linguística e logicamente pelas proposições encadeadas, formando um silogismo. Raciocínio e silogismo são operações mediatas de conhecimento, pois a inferência significa que só conhecemos alguma coisa (a conclusão) por meio ou pela mediação de outras coisas. A teoria aristotélica do silogismo é o coração da lógica, pois é a teoria das demonstrações ou das provas, da qual depende o pensamento científico e filosófico.  

O silogismo possui três características principais:
1. é mediato: exige um percurso de pensamento e de linguagem para que se possa chegar a uma conclusão;
2. é dedutivo: é um movimento de pensamento e de linguagem que parte de certas afirmações verdadeiras para chegar a outras também verdadeiras e que dependem necessariamente das primeiras;
3. é necessário: porque é dedutivo (as conseqüências a que se chega na conclusão resultam necessariamente da verdade do ponto de partida). Por isso, Aristóteles considera o silogismo que parte de proposições apodíticas superior ao que parte de proposições hipotéticas ou possíveis, designando-o com o nome de ostensivo, pois ostenta ou mostra claramente a relação necessária e verdadeira entre o ponto de partida e a conclusão. O exemplo mais famoso do silogismo ostensivo é:

Todos os homens são mortais.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.

Um silogismo é constituído por três proposições. A primeira é chamada de premissa maior; a segunda, de premissa menor; e a terceira, de conclusão, inferida das premissas pela mediação de um termo chamado termo médio. As premissas possuem termos chamados extremos e a função do termo médio é ligar os extremos. Essa ligação é a inferência ou dedução e sem ela não há raciocínio nem demonstração. Por isso, a arte do silogismo consiste em saber encontrar o termo médio que ligará os extremos e permitirá chegar à conclusão.
O silogismo, para chegar a uma conclusão verdadeira, deve obedecer a um conjunto complexo de regras. Dessas regras, apresentaremos as mais importantes, tomando como referência o silogismo clássico que oferecemos acima:
● a premissa maior deve conter o termo extremo maior (no caso, “mortais”) e o termo médio (no caso, “homens”);
● a premissa menor deve conter o termo extremo menor (no caso, “Sócrates”) e o termo médio (no caso, “homem”);
● a conclusão deve conter o maior e o menor e jamais deve conter o termo médio (no caso, deve conter “Sócrates” e “mortal” e jamais deve conter “homem”). Sendo função do médio ligar os extremos, deve estar nas premissas, mas nunca na conclusão.
A ideia geral da dedução ou inferência silogística é:

A é verdade de B.
B é verdade de C.
Logo, A é verdade de C.

A inferência silogística também é feita com negativas:

Nenhum anjo é mortal. (A é verdade de B.)
Miguel é anjo. (B é verdade de C.)
Logo, Miguel não é mortal. (A é verdade de C.)

A proposição é uma predicação ou atribuição. As premissas fazem a atribuição afirmativa ou negativa do predicado ao sujeito, estabelecendo a inclusão ou exclusão do médio no maior e a inclusão ou exclusão do menor no médio. Graças a essa dupla inclusão ou exclusão, o menor estará incluído ou excluído do maior.
Por ser um sistema de inclusões (ou exclusões) entre sujeitos e predicados, o silogismo é a declaração da inerência do predicado ao sujeito (inerência afirmativa, quando o predicado está incluído no sujeito; inerência negativa, quando o predicado está excluído do sujeito). A ciência é a investigação dessas inerências, por meio das quais se alcança a essência do objeto investigado.
A inferência silogística deve obedecer a oito regras, sem as quais a dedução não terá validade, não sendo possível dizer se a conclusão é verdadeira ou falsa:

1. um silogismo deve ter um termo maior, um menor e um médio e somente três termos, nem mais, nem menos;
2. o termo médio deve aparecer nas duas premissas e jamais aparecer na conclusão; deve ser tomado em toda a sua extensão (isto é, como um universal) pelo menos uma vez, pois, do contrário, não se poderá ligar o maior e o menor. Por exemplo, se eu disser “Os nordestinos são brasileiros” e “Os paulistas são brasileiros”, não poderei tirar conclusão alguma, pois o termo médio “brasileiros” foi tomado sempre em parte de sua extensão e nenhuma vez no todo de sua extensão;
3. nenhum termo pode ser mais extenso na conclusão do que nas premissas, pois, nesse caso, concluiremos mais do que seria permitido. Isso significa que uma das premissas sempre deverá ser universal (afirmativa ou negativa);
4. a conclusão não pode conter o termo médio, já que a função deste se esgota na ligação entre o maior e o menor, ligação que é a conclusão;
5. de duas premissas negativas nada pode ser concluído, pois o médio não terá ligado os extremos;
6. de duas premissas particulares nada poderá ser concluído, pois o médio não terá sido tomado em toda a sua extensão pelo menos uma vez e não poderá ligar o maior e o menor;
7. duas premissas afirmativas devem ter a conclusão afirmativa, o que é evidente por si mesmo;
8. a conclusão sempre acompanha a parte mais fraca, isto é, se houver uma premissa negativa, a conclusão será negativa; se houver uma premissa particular, a conclusão será particular; se houver uma premissa particular negativa, a conclusão será particular negativa.

Essas regras dão origem às figuras e modos do silogismo. As figuras são quatro e se referem à posição ocupada pelo termo médio nas premissas (sujeito na maior, sujeito na menor, sujeito em ambas, predicado na maior, predicado na menor, predicado em ambas). Os modos se referem aos tipos de proposições que constituem as premissas (universais afirmativas em ambas, universais negativas em ambas, particulares afirmativas em ambas, particulares negativas em ambas, universal afirmativa na maior e particular afirmativa na menor, etc.).
Existem 64 modos possíveis, mas, desses, apenas dez são considerados válidos. Combinando-se as quatro figuras e os dez modos tem-se as dezenove formas válidas de silogismo.
Tomemos um exemplo da chamada primeira figura e os modos em que pode se apresentar. Na primeira figura, o termo médio é sujeito na maior e predicado na menor:

1º modo – todas as proposições são universais afirmativas:
Todos os homens são mortais.
Todos os atenienses são homens.
Todos os atenienses são mortais.

2º modo – a maior é universal negativa, a menor é universal afirmativa e a conclusão é universal negativa:
Nenhum astro é perecível.
Todas as estrelas são astros.
Nenhuma estrela é perecível.

3º modo – a maior é universal afirmativa, a menor é particular afirmativa e a conclusão é particular afirmativa:
Todos os homens são mortais.
Sócrates é homem.
Sócrates é mortal.

4º modo – a maior é universal negativa, a menor é particular afirmativa e a conclusão é particular negativa:
Nenhum tirano é amado.
Dionísio é tirano.
Dionísio não é amado.

Aristóteles considera a primeira figura a mais própria para o silogismo científico, porque nela a inerência do predicado no sujeito é a mais perfeita. A ciência, segundo Aristóteles, encontra a essência das coisas demonstrando a ligação necessária entre um indivíduo, a espécie e o gênero, isto é, a inclusão do indivíduo na espécie e desta no gênero. A primeira figura é a que melhor evidencia essa inclusão (ou a exclusão).


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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