O nascimento da lógica
É lógico!
“É lógico que eu vou!”, “É
lógico que ela disse isso!”. Quando dizemos frases como essas, a expressão “é
lógico que” indica, para nós e para a pessoa com quem estamos falando, que se
trata de alguma coisa evidente. A expressão aparece como se fosse a conclusão
de um raciocínio implícito, compartilhado pelos interlocutores do discurso. Ao
dizer “É lógico que eu vou!”, estou supondo que quem me ouve sabe, sem que isso
seja dito explicitamente, que também estou afirmando: “Você me conhece, sabe o
que penso, gosto ou quero, sabe o que vai acontecer no lugar x e na hora
y e, portanto, não há dúvida de que irei até lá”.
Ao dizer “É lógico que ela disse
isso!”, a situação é semelhante. A expressão seria a conclusão de algo que eu e
a outra pessoa sabemos, como se eu estivesse dizendo: “Sabendo quem ela é, o
que pensa, gosta, quer, o que costuma dizer e fazer, e vendo o que está
acontecendo agora, concluo que é evidente que ela disse isso, pois era
de se esperar que ela o dissesse”.
Nesses casos, estamos tirando
uma conclusão que nos parece óbvia, e dizer “é lógico que” seria o mesmo que
dizer: “é claro que” ou “não há dúvida de que”.
Em certas ocasiões, ouvimos,
lemos, vemos alguma coisa e nossa reação é dizer: “Não. Não pode ser assim.
Isso não tem lógica!”. Ou, então: “Isso não é lógico!”. Essas duas expressões
indicam uma situação oposta às anteriores, ou seja, agora uma conclusão foi
tirada por alguém, mas o que já sabemos (de uma pessoa, de um fato, de uma
idéia, de um livro) nos faz julgar que a conclusão é indevida, está errada,
deveria ser outra. É possível, também, que as duas expressões estejam indicando
que o conhecimento que possuímos sobre alguma coisa, sobre alguém ou sobre um
fato não é suficiente para compreendermos o que estamos ouvindo, vendo, lendo e
por isso nos parece “não ter lógica”.
Nesses vários exemplos, podemos
perceber que as palavras lógica e lógico são usadas por nós para
significar:
1. ou uma inferência: visto que
conheço x, disso posso concluir y como conseqüência;
2. ou a exigência de coerência:
visto que x é assim, então é preciso que y seja assim;
3. ou a exigência de que não
haja contradição entre o que sabemos de x e a conclusão y a que
chegamos;
4. ou a exigência de que, para
entender a conclusão y, precisamos saber o suficiente sobre x
para conhecer por que se chegou a y.
Inferência, coerência, conclusão
sem contradições, conclusão a partir de conhecimentos suficientes são algumas
noções implicitamente pressupostas por nós toda vez que afirmamos que algo é
lógico ou ilógico.
Ao usarmos as palavras lógica
e lógico estamos participando de uma tradição de pensamento que se
origina da Filosofia grega, quando a palavra logos – significando
linguagem-discurso e pensamento-conhecimento – conduziu os filósofos a indagar
se o logos obedecia ou não a regras, possuía ou não normas, princípios e
critérios para seu uso e funcionamento. A disciplina filosófica que se ocupa
com essas questões chama-se lógica.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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