Leitura racionai
Esse
tipo de leitura exige uma compreensão mais abrangente do texto e mobiliza, além
do sentimento, as capacidades racionais do leitor, como, por exemplo, a
capacidade de analisar o texto, separar suas partes, estabelecer relações entre
elas e outros textos, sintetizar as ideias do autor etc.
Nesse
nível, estabelecemos um diálogo com o texto, fazendo perguntas que nos levem a
compreender sua forma de construção e seus significados mais profundos. Os
textos, em geral, não são construções transparentes, não nos entregam
totalmente os seus significados logo numa primeira leitura. Temos, na verdade,
de conquistar o texto, respeitando suas características próprias que o fazem
diferente dos demais.
Voltemos,
agora, à história com que iniciamos este livro. Façamos algumas perguntas sobre
sua forma de construção. Em que tempo de verbo está escrita? Em que pessoa? Há
um narrador? É uma descrição, uma narração, um diálogo dramático? É prosa ou
poesia?
Vemos
que é um texto em prosa, escrito na primeira pessoa do singular, no presente e
no qual um narrador conta várias coisas.
E
que coisas são essas? A vontade de escrever um livro e as dificuldades que
encontra, entre afazeres profissionais e domésticos, para sentar e concretizar
seu desejo.
Podemos
nos dar por satisfeitos com essa leitura. Mas será que o texto não nos conta
mais nada? Quem é o narrador? É uma professora, pois tem de dar conta de notas,
reuniões, recuperação, além da preparação das festas de Natal. E que situação o
narrador está vivendo no momento? Está em férias, sem ter mais nenhuma daquelas
obrigações profissionais. E, em férias, está escrevendo. Não é estranho que as
férias signifiquem um outro momento de trabalho? Escrever também é um trabalho,
prazeroso, realizador, mas, mesmo assim, um trabalho. Só que, ao lado deste,
aparecem outros trabalhos, indispensáveis: fazer a comida, tomar conta dos
filhos. Assim, começamos a perceber as dificuldades da mulher que trabalha fora
de casa: na verdade, ela tem dupla jornada de trabalho, uma em casa, outra no
emprego. Começamos a perceber as dificuldades das professoras: além de
profissionais, são também mulheres, esposas, mães, donas de casa, filhas. O
nosso olhar se modifica, pois passamos a encará-las não mais solidificadas em
um papel, mas como pessoas humanas, com várias dimensões, várias dificuldades e
várias formas de realização.
Vemos,
portanto, que essa historinha, aparentemente tão simples, tem outros
significados mais escondidos. Podemos, então, dizer que a leitura racional de
um texto é uma forma de re-criar esse
texto, visando a sua compreensão mais profunda. A re-criação é feita a partir das perguntas que fazemos ao texto. E,
como as perguntas são nossas, estamos, nós, leitores, tendo um papel ativo
nessa recriação, nessa leitura, nessa atribuição de significados que estão
latentes no texto mas não totalmente à mostra.
A
leitura racional comporta, assim, uma subdivisão em níveis, que constituem etapas de aprofundamento da interpretação:
denotação, interpretação, crítica e problematização. Ê como se entrássemos num
rodamoinho e fôssemos dando voltas, cada vez mais profundas.
Fonte:
ARANHA, Maria Lúcia de
Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. São Paulo,
Moderna, 2000 (edição digital).
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