A ideologia
O conceito de ideologia tem inúmeros significados. Por
isso é importante verificar em que sentido é usado dentro de determinado
contexto.
A ideologia pode ser
considerada o conjunto de ideias, concepções ou opiniões sobre algum ponto
sujeito a discussão. Por exemplo, a ideologia da raça pura, a ideologia da
segurança nacional.
Ou, ainda, ideologia
significa o conjunto de ideias sistematizadas que justificam determinada
prática. Por exemplo, a ideologia de um partido político, a ideologia
religiosa ou a ideologia de uma escola.
O filósofo italiano
Gramsci dizia ser importante não considerar toda ideologia como sendo de
antemão arbitrária e, portanto, inútil para transformar a realidade. Pois há
ideologias historicamente necessárias que "organizam as massas humanas,
formam o terreno sobre o qual os homens se movimentam, adquirem consciência de
sua posição, lutam etc.". Pode-se dar ao conceito de ideologia "o
significado mais alto de uma concepção de mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as
manifestações de vida individuais e coletivas" e que tem por função conservar a unidade ideológica de todo o bloco social.
Aqui, vamos privilegiar
a análise feita por Marx, cuja interpretação já foi incorporada ao pensamento
político e econômico até de teóricos não-marxistas, tal sua fecundidade e aplicabilidade em diversos campos de reflexão.
Segundo Marx, todas as
formas de pensamento e de representação dependem das relações de produção e de
trabalho: enquanto muitos pensam que "as ideias movem o mundo", Marx
considera, ao contrário, que as ideias são derivadas das condições materiais de
produção da existência.
Ora, onde existe
sociedade dividida em classes, há exploração do trabalho e separação entre
trabalho intelectual e trabalho manual. Tal situação leva à alienação, uma vez
que a grande maioria dos trabalhadores perde a autonomia.
É justamente a
ideologia que não permite a percepção da alienação e impede a revolta contra a
dominação. Sem precisar recorrer à violência física, a ideologia mantém o
consenso e a coesão da sociedade, escondendo as distorções, mascarando as
desigualdades sociais e ocultando a exploração.
A ideologia é o conjunto de representações e ideias, bem como de normas
de conduta por meio das quais o homem é levado a pensar, sentir e agir da
maneira que convém à classe dominante. Essa consciência da realidade é uma
falsa consciência, porque camufla a divisão existente dentro da sociedade,
apresentando-a como una e harmônica, como se todos partilhassem dos mesmos
objetivos e ideais.
Revendo: a ideologia,
no sentido positivo, exerce a função
de cimento do grupo social, tornando a sociedade de fato unida em tomo de
crenças comuns que fazem justamente a força das tradições. No sentido negativo, a unidade é falsa, pois
esconde a divisão injusta da sociedade para manter a dominação.
Examinemos alguns
exemplos.
O trabalhador braçal
geralmente é semianalfabeto (não frequentou escola ou abandonou os estudos
muito cedo); ganha mal; não tem casa própria; não melhora seu padrão de vida;
os filhos reproduzem seus passos.
Uma interpretação
ideológica justificaria a situação da seguinte maneira: ele é um trabalhador
braçal porque não tem competência para outro tipo de serviço; não fez o devido
esforço para estudar (talvez por preguiça ou por deficiência intelectual); se
não tem bens é porque esbanjou o que ganha, não fez poupança; se não melhora o
padrão de vida é porque não cumpre as exigências de um bom empregado, aplicado
e perseverante. Em todo caso, convém não perder as esperanças, um dia a sorte
poderá lhe sorrir. E, quem sabe, com esforço seu filho possa até se formar
doutor!
As justificativas são
todas de ordem individual, como se cada homem fosse o único responsável pelo
seu próprio destino. Embora seja verdadeiro que as pessoas são sempre
responsáveis pelas suas escolhas, em sociedades de classes as oportunidades
oferecidas não são iguais, o que lança os desprivilegiados em um "jogo de
cartas marcadas" no qual as chances de melhorar dependem menos deles e
mais daqueles que detêm os meios de produção.
Isso significa que os
bens produzidos pela sociedade serão usufruídos por uma minoria. A exclusão e
evasão escolar não ocorrem porque as crianças pobres são pouco inteligentes ou
preguiçosas, mas porque esse bem é de fato negado a elas. O mesmo acontece com
a melhor remuneração do trabalho, o direito à produção e consumo da cultura, o
acesso ao lazer etc.
O discurso ideológico
impede que o oprimido tenha uma visão própria do mundo porque lhe impõe os
valores da classe dominante, tornados universais, Além disso,
"naturaliza" as ações humanas, explicando-as como decorrentes da
"ordem natural das coisas" e não como o resultado da injusta
repartição dos bens.
Isso não significa que
alguns conheçam a realidade e a maior parte se encontre "enganada"
pela ideologia. Esta permeia toda a sociedade, o que permite que a classe
privilegiada considere natural a sua
dominação.
A ideologia é veiculada
das mais diversas maneiras: pela família, escola, empresa, Igreja, quartel,
meios de comunicação de massa, enfim, pelos responsáveis pela sua
disseminação e reprodução.
Como superar a ação da
ideologia?
Fonte:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas
de Filosofia. São Paulo, Moderna, 2000 (edição digital).
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