Filosofia e bom senso
Qual é a ideia que o
povo faz da filosofia? Pode-se reconstruí-la através das expressões da
linguagem comum. Uma das mais difundidas é a de "tomar as coisas com
filosofia", a qual, analisada, não tem por que ser inteiramente afastada.
É verdade que nela se contém um convite implícito à resignação e à paciência,
mas parece-me que o ponto mais importante seja, ao contrário, o convite à
reflexão, à tomada de consciência de que aquilo que acontece é, no fundo,
racional e que assim deve ser enfrentado, concentrando as próprias forças e não
se deixando levar pelos impulsos instintivos e violentos. Poder-se-ia reagrupar essas expressões populares juntamente com as expressões similares dos
escritores de caráter popular, tomando-as dos grandes dicionários, nos quais
entram os termos "filosofia" e "filosoficamente", e se
poderá perceber que estes têm um significado muito preciso, a saber, o de
superação das paixões bestiais e elementares por uma concepção da necessidade
que fornece à própria ação uma direção consciente. Este é o núcleo sadio do
senso comum, o que poderia ser chamado de bom senso, merecendo ser desenvolvido
e transformado em algo unitário e coerente. Tornam-se evidentes, assim, as
razões que fazem impossível a separação entre a chamada filosofia
"científica" e a filosofia "vulgar" e popular, que é apenas
um conjunto desagregado de ideias e de opiniões.
GRAMSCI, Antônio, Concepção dialética da história. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1986. p. 15-16.
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