O pensamento filosófico
Quando a filosofia surge, entre os gregos, no
século VI a.C, ela engloba tanto a indagação filosófica propriamente dita quanto
o que hoje chamamos de conhecimento científico. O filósofo teorizava sobre
todos os assuntos, procurando responder não só ao porquê das coisas, mas,
também, ao como, ou seja, ao funcionamento. É por isso que Euclides, Tales e
Pitágoras são filósofos e dedicam-se também ao estudo da geometria.
Aristóteles, por sua vez, debruça-se sobre problemas físicos e astronômicos, na
medida em que esses problemas interessam à cultura e à sociedade de sua época.
É só a partir do século XVII, com Galileu e o aperfeiçoamento
do método científico, fundado na observação, experimentação e matematização
dos resultados, que a ciência começa a se constituir como forma específica de
abordagem do real e a se destacar da filosofia. Aparecem, pouco a pouco, as
ciências particulares, que investigam a realidade sob pontos de vista específicos: à física interessam os movimentos dos corpos; à biologia, a natureza dos seres vivos; à química, as transformações das substâncias; à astronomia,
os corpos celestes; à psicologia, os mecanismos do funcionamento da mente
humana; à sociologia, a organização social etc.
O conhecimento é fragmentado entre as várias
ciências, pois cada uma se ocupa somente de uma pequena parte do real. As
afirmações de cada uma delas são chamadas juízos de realidade, uma vez que se
referem aos fenômenos e pretendem mostrar como estes ocorrem e como se
relacionam com outros fenômenos. De posse desses dados sobre o funcionamento
dos fenômenos naturais e humanos, torna-se possível prevê-los e controlá-los.
A filosofia trata dessa mesma realidade, mas,
em vez de fragmentá-la em conhecimentos particulares, toma-a como totalidade
de fenômenos, ou seja, considera a realidade a partir de uma visão de conjunto.
Qualquer que seja o problema, a reflexão filosófica considera cada um de seus
aspectos, relacionando-o ao contexto dentro do qual ele se insere e
restabelecendo a integridade do universo humano. Do ponto de vista filosófico,
por exemplo, é impossível considerar a inflação brasileira somente a partir de
princípios econômicos. É preciso relacioná-la com interesses de classes,
interesses políticos, interesses sociais. Um país economicamente instável é um
país política e socialmente instável. À ciência econômica interessa somente verificar
como a inflação funciona para poder controlá-la, sem se incomodar com os
reflexos que esse controle possa ter sobre a sociedade.
É por isso que, sem desmerecer o conhecimento especializado buscado pelas várias ciências, defendemos a necessidade da
reflexão filosófica, reflexão esta que faz a crítica dos fundamentos de
conhecimento e da ação humanos. Cabe ao filósofo refletir sobre o que é ciência,
o que é método científico, sua validade e limites. A ciência é realmente um
conhecimento objetivo? O que é a objetividade e até que ponto um sujeito histórico — o cientista — pode ser objetivo? Cabe ao filósofo, também, refletir sobre a condição humana atual: o que é o homem? o que é liberdade? o que é
trabalho? quais as relações entre homem e trabalho? etc. Nem mesmo a escola
foge ao crivo da reflexão filosófica: para que exista, é necessário que
partamos de uma visão de homem como ser incompleto, portanto educável. Para
sobreviver, os animais não precisam ser educados, pois guiam-se pelos instintos.
Só os "educamos", isto é, domesticamos, para acomodá-los às nossas necessidades humanas. O caso dos homens é diferente. Mas para que o ser humano
é educado? Para o pleno exercício da liberdade e da responsabilidade ou só
para se manter dentro da ordem estabelecida? Em outras palavras, educamos para
que cada homem saiba pensar por si próprio ou para que saiba aceitar as regras
que outros pensaram para ele?
A filosofia quer encontrar o significado mais
profundo dos fenômenos. Não basta saber como funcionam, mas o que significam na
ordem geral do mundo humano. A filosofia emite juízos de valor ao julgar cada
fato, cada ação em relação ao todo. A filosofia vai além daquilo que é, para
propor como poderia ser. É, portanto, indispensável para a vida de todos nós,
que desejamos ser seres humanos completos, cidadãos livres e responsáveis por nossas escolhas.
Assim, o filosofar é uma prática que parte da
teoria e resulta em outras teorias.
Fonte:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas
de Filosofia. São Paulo, Moderna, 2000 (edição digital).
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