Inatismo cartesiano
Descartes discute a teoria das idéias inatas em várias de
suas obras, mas as exposições mais conhecidas encontram-se em duas delas: no Discurso
do método e nas Meditações metafísicas.
Nelas, Descartes mostra que nosso espírito possui três
tipos de idéias que se diferenciam segundo sua origem e qualidade:
1. Idéias adventícias (isto é, vindas de fora): são
aquelas que se originam de nossas sensações, percepções, lembranças; são as
idéias que nos vêm por termos tido a experiência sensorial ou sensível das
coisas a que se referem. Por exemplo, a ideia de árvore, de pássaro, de
instrumentos musicais, etc. São nossas idéias cotidianas e costumeiras,
geralmente enganosas ou falsas, isto é, não correspondem à realidade das
próprias coisas.
Assim, andando à noite por uma floresta, vejo fantasmas.
Quando raia o dia, descubro que eram galhos retorcidos de árvores que se mexiam
sob o vento. Olho para o céu e vejo, pequeno, o Sol. Acredito, então, que é
menor do que a Terra, até que os astrônomos provem racionalmente que ele é
muito maior do que ela.
2. Idéias fictícias: são aquelas que criamos em
nossa fantasia e imaginação, compondo seres inexistentes com pedaços ou partes
de idéias adventícias que estão em nossa memória. Por exemplo, cavalo alado,
fadas, elfos, duendes, dragões, Super-Homem, etc. São as fabulações das artes,
da literatura, dos contos infantis, dos mitos, das superstições.
Essas idéias nunca são verdadeiras, pois não correspondem a
nada que exista realmente e sabemos que foram inventadas por nós, mesmo quando
as recebemos já prontas de outros que as inventaram.
3. Idéias inatas: são aquelas que não poderiam vir de
nossa experiência sensorial porque não há objetos sensoriais ou sensíveis para
elas, nem poderiam vir de nossa fantasia, pois não tivemos experiência
sensorial para compô-las a partir de nossa memória.
As idéias inatas são inteiramente racionais e só podem
existir porque já nascemos com elas. Por exemplo, a ideia do infinito (pois não
temos qualquer experiência do infinito), as idéias matemáticas (a matemática
pode trabalhar com a ideia de uma figura de mil lados, o quiliógono, e, no
entanto, jamais tivemos e jamais teremos a percepção de uma figura de mil
lados).
Essas idéias, diz Descartes, são “a assinatura do Criador”
no espírito das criaturas racionais, e a razão é a luz natural inata que nos
permite conhecer a verdade. Como as idéias inatas são colocadas em nosso
espírito por Deus, serão sempre verdadeiras, isto é, sempre corresponderão
integralmente às coisas a que se referem, e, graças a elas, podemos julgar
quando uma ideia adventícia é verdadeira ou falsa e saber que as idéias
fictícias são sempre falsas (não correspondem a nada fora de nós).
Ainda segundo Descartes, as idéias inatas são as mais
simples que possuímos (simples não quer dizer “fáceis”, e sim não-compostas de
outras idéias). A mais famosa das idéias inatas cartesianas é o “Penso, logo
existo”. Por serem simples, as idéias inatas são conhecidas por intuição e são
elas o ponto de partida da dedução racional e da indução, que conhecem as
idéias complexas ou compostas.
A tese central dos inatistas é a seguinte: se não
possuirmos em nosso espírito a razão e a verdade, nunca teremos como saber se
um conhecimento é verdadeiro ou falso, isto é, nunca saberemos se uma ideia
corresponde ou não à realidade a que ela se refere. Não teremos um critério
seguro para avaliar nossos conhecimentos.
Fonte:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia.
São
Paulo: Ed. Ática, 2000.
0 Response to "Inatismo cartesiano"
Postar um comentário