O empirismo
Contrariamente aos defensores do inatismo, os defensores do
empirismo afirmam que a razão, a verdade e as idéias racionais são adquiridos
por nós através da experiência. Antes da experiência, dizem eles, nossa razão é
como uma “folha em branco”, onde nada foi escrito; uma “tábula rasa”, onde nada
foi gravado. Somos como uma cera sem forma e sem nada impresso nela, até que a
experiência venha escrever na folha, gravar na tábula, dar forma à cera.
Os empiristas ingleses
No decorrer da história da Filosofia muitos filósofos
defenderam a tese empirista, mas os mais famosos e conhecidos são os filósofos
ingleses dos séculos XVI ao XVIII, chamados, por isso, de empiristas ingleses:
Francis Bacon, John Locke, George Berkeley e David Hume.
Na verdade, o empirismo é uma característica muito marcante
da filosofia inglesa. Na Idade Média, por exemplo, filósofos importantes como
Roger Bacon e Guilherme de Ockham eram empiristas; em nossos dias, Bertrand
Russell foi um empirista.
Que dizem os empiristas?
Nossos conhecimentos começam com a experiência dos
sentidos, isto é, com as sensações. Os objetos exteriores excitam nossos órgãos
dos sentidos e vemos cores, sentimos sabores e odores, ouvimos sons, sentimos a
diferença entre o áspero e o liso, o quente e o frio, etc.
As sensações se reúnem e formam uma percepção; ou seja,
percebemos uma única coisa ou um único objeto que nos chegou por meio de várias
e diferentes sensações. Assim, vejo uma cor vermelha e uma forma arredondada,
aspiro um perfume adocicado, sinto a maciez e digo: “Percebo uma rosa”. A
“rosa” é o resultado da reunião de várias sensações diferentes num único objeto
de percepção.
As percepções, por sua vez, se combinam ou se associam. A
associação pode dar-se por três motivos: por semelhança, por proximidade ou
contigüidade espacial e por sucessão temporal. A causa da associação das
percepções é a repetição. Ou seja, de tanto algumas sensações se repetirem por
semelhança, ou de tanto se repetirem no mesmo espaço ou próximas umas das
outras, ou, enfim, de tanto se repetirem sucessivamente no tempo, criamos o
hábito de associá-las. Essas associações são as idéias.
As idéias, trazidas pela experiência, isto é, pela
sensação, pela percepção e pelo hábito, são levadas à memória e, de lá, a razão
as apanha para formar os pensamentos.
A experiência escreve e grava em nosso espírito as idéias,
e a razão irá associá-las, combiná-las ou separá-las, formando todos os nossos
pensamentos. Por isso, David Hume dirá que a razão é o hábito de associar
idéias, seja por semelhança, seja por diferença.
O exemplo mais importante (por causa das conseqüências
futuras) oferecido por Hume para mostrar como formamos hábitos racionais é o da
origem do princípio da causalidade (razão suficiente).
A experiência me mostra, todos os dias, que, se eu puser um
líquido num recipiente e levar ao fogo, esse líquido ferverá, saindo do
recipiente sob a forma de vapor. Se o recipiente estiver totalmente fechado e
eu o destampar, receberei um bafo de vapor, como se o recipiente tivesse ficado
pequeno para conter o líquido.
A experiência também me mostra, todo o tempo, que se eu
puser um objeto sólido (um pedaço de vela, um pedaço de ferro) no calor do
fogo, não só ele se derreterá, mas também passará a ocupar um espaço muito
maior no interior do recipiente. A experiência também repete constantemente
para mim a possibilidade que tenho de retirar um objeto preso dentro de um
outro, se eu aquecer este último, pois, aquecido, ele solta o que estava preso
no seu interior, parecendo alargar-se e aumentar de tamanho.
Experiências desse tipo, à medida que vão se repetindo
sempre da mesma maneira, vão criando em mim o hábito de associar o calor com
certos fatos. Adquiro o hábito de perceber o calor e, em seguida, um fato igual
ou semelhante a outros que já percebi inúmeras vezes. E isso me leva a dizer:
“O calor é a causa desses fatos”. Como os fatos são de aumento do volume
ou da dimensão dos corpos submetidos ao calor, acabo concluindo: “O calor é a causa
da dilatação dos corpos” e também “A dilatação dos corpos é o efeito do
calor”. É assim, diz Hume, que nascem as ciências. São elas, portanto, hábito
de associar idéias, em conseqüência das repetições da experiência.
Ora, ao mostrar como se forma o princípio da causalidade,
Hume não está dizendo apenas que as idéias da razão se originam da experiência,
mas está afirmando também que os próprios princípios da racionalidade são
derivados da experiência.
Mais do que isso. A razão pretende, através de seus
princípios, seus procedimentos e suas idéias, alcançar a realidade em seus
aspectos universais e necessários. Em outras palavras, pretende conhecer a
realidade tal como é em si mesma, considerando que o que conhece vale como
verdade para todos os tempos e lugares (universalidade) e indica como as coisas
são e como não poderiam, de modo algum, ser de outra maneira (necessidade).
Ora, Hume torna impossível tanto a universalidade quanto a
necessidade pretendidas pela razão. O universal é apenas um nome ou uma palavra
geral que usamos para nos referirmos à repetição de semelhanças percebidas e
associadas. O necessário é apenas o nome ou uma palavra geral que usamos para
nos referirmos à repetição das percepções sucessivas no tempo. O universal, o
necessário, a causalidade são meros hábitos psíquicos.
Fonte:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia.
São
Paulo: Ed. Ática, 2000.
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