Problemas do empirismo
O empirismo, por sua vez, se defronta com um problema
insolúvel.
Se as ciências são apenas hábitos psicológicos de associar
percepções e idéias por semelhança e diferença, bem como por contiguidade
espacial ou sucessão temporal, então as ciências não possuem verdade alguma,
não explicam realidade alguma, não alcançam os objetos e não possuem nenhuma
objetividade.
Ora, o ideal racional da objetividade afirma que uma
verdade é uma verdade porque corresponde à realidade das coisas e, portanto,
não depende de nossos gostos, nossas opiniões, nossas preferências, nossos
preconceitos, nossas fantasias, nossos costumes e hábitos. Em outras palavras,
não é subjetiva, não depende de nossa vida pessoal e psicológica. Essa
objetividade, porém, para o empirista, a ciência não pode oferecer nem
garantir.
A ciência, mero hábito psicológico ou subjetivo, torna-se
afinal uma ilusão, e a realidade tal como é em si mesma (isto é, a realidade
objetiva) jamais poderá ser conhecida por nossa razão. Basta, por exemplo, que
um belo dia eu ponha um líquido no fogo e, em lugar de vê-lo ferver e aumentar
de volume, eu o veja gelar e diminuir de volume, para que toda a ciência
desapareça, já que ela depende da repetição, da freqüência, do hábito de sempre
percebermos uma certa sucessão de fatos à qual, também por hábito, demos o nome
de princípio da causalidade.
Assim, do lado do empirismo, o problema colocado é o da
impossibilidade do conhecimento objetivo da realidade.
RESUMINDO…
Do lado do inatismo, o problema pode ser formulado da
seguinte maneira: como são inatos, as idéias e os princípios da razão são
verdades intemporais que nenhuma experiência nova poderá modificar.
Ora, a História (social, política, científica e filosófica)
mostra que idéias tidas como verdadeiras e universais não possuíam essa
validade e foram substituídas por outras. Mas, por definição, uma ideia inata é
sempre verdadeira e não pode ser substituída por outra. Se for substituída,
então não era uma ideia verdadeira e, não sendo uma ideia verdadeira, não era
inata.
Do lado do empirismo, o problema pode ser formulado da
seguinte maneira: a racionalidade ocidental só foi possível porque a Filosofia
e as ciências demonstraram que a razão é capaz de alcançar a universalidade e a
necessidade que governam a própria realidade, isto é, as leis racionais que
governam a Natureza, a sociedade, a moral, a política.
Ora, a marca própria da experiência é a de ser sempre
individual, particular e subjetiva. Se o conhecimento racional for apenas a
generalização e a repetição para todos os seres humanos de seus estados
psicológicos, derivados de suas experiências, então o que chamamos de Filosofia,
de ciência, de ética, etc. são nomes gerais para hábitos psíquicos e não um
conhecimento racional verdadeiro de toda a realidade, tanto a realidade natural
quanto a humana.
Problemas dessa natureza, freqüentes na história da
Filosofia, suscitam, periodicamente, o aparecimento de uma corrente filosófica
conhecida como ceticismo, para o qual a razão humana é incapaz de
conhecer a realidade e por isso deve renunciar à verdade. O cético sempre
manifesta explicitamente dúvidas toda vez que a razão tenha pretensão ao
conhecimento verdadeiro do real.
Fonte:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia.
São
Paulo: Ed. Ática, 2000.
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