"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Problemas do empirismo


O empirismo, por sua vez, se defronta com um problema insolúvel.
Se as ciências são apenas hábitos psicológicos de associar percepções e idéias por semelhança e diferença, bem como por contiguidade espacial ou sucessão temporal, então as ciências não possuem verdade alguma, não explicam realidade alguma, não alcançam os objetos e não possuem nenhuma objetividade.
Ora, o ideal racional da objetividade afirma que uma verdade é uma verdade porque corresponde à realidade das coisas e, portanto, não depende de nossos gostos, nossas opiniões, nossas preferências, nossos preconceitos, nossas fantasias, nossos costumes e hábitos. Em outras palavras, não é subjetiva, não depende de nossa vida pessoal e psicológica. Essa objetividade, porém, para o empirista, a ciência não pode oferecer nem garantir.   

A ciência, mero hábito psicológico ou subjetivo, torna-se afinal uma ilusão, e a realidade tal como é em si mesma (isto é, a realidade objetiva) jamais poderá ser conhecida por nossa razão. Basta, por exemplo, que um belo dia eu ponha um líquido no fogo e, em lugar de vê-lo ferver e aumentar de volume, eu o veja gelar e diminuir de volume, para que toda a ciência desapareça, já que ela depende da repetição, da freqüência, do hábito de sempre percebermos uma certa sucessão de fatos à qual, também por hábito, demos o nome de princípio da causalidade.
Assim, do lado do empirismo, o problema colocado é o da impossibilidade do conhecimento objetivo da realidade.

RESUMINDO…
Do lado do inatismo, o problema pode ser formulado da seguinte maneira: como são inatos, as idéias e os princípios da razão são verdades intemporais que nenhuma experiência nova poderá modificar.
Ora, a História (social, política, científica e filosófica) mostra que idéias tidas como verdadeiras e universais não possuíam essa validade e foram substituídas por outras. Mas, por definição, uma ideia inata é sempre verdadeira e não pode ser substituída por outra. Se for substituída, então não era uma ideia verdadeira e, não sendo uma ideia verdadeira, não era inata.
Do lado do empirismo, o problema pode ser formulado da seguinte maneira: a racionalidade ocidental só foi possível porque a Filosofia e as ciências demonstraram que a razão é capaz de alcançar a universalidade e a necessidade que governam a própria realidade, isto é, as leis racionais que governam a Natureza, a sociedade, a moral, a política.
Ora, a marca própria da experiência é a de ser sempre individual, particular e subjetiva. Se o conhecimento racional for apenas a generalização e a repetição para todos os seres humanos de seus estados psicológicos, derivados de suas experiências, então o que chamamos de Filosofia, de ciência, de ética, etc. são nomes gerais para hábitos psíquicos e não um conhecimento racional verdadeiro de toda a realidade, tanto a realidade natural quanto a humana.
Problemas dessa natureza, freqüentes na história da Filosofia, suscitam, periodicamente, o aparecimento de uma corrente filosófica conhecida como ceticismo, para o qual a razão humana é incapaz de conhecer a realidade e por isso deve renunciar à verdade. O cético sempre manifesta explicitamente dúvidas toda vez que a razão tenha pretensão ao conhecimento verdadeiro do real.

Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia.

São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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