O silogismo científico
Aristóteles distingue dois
grandes tipos de silogismos: os dialéticos e os científicos. Os
primeiros são aqueles cujas premissas se referem ao que é apenas possível ou
provável, ao que pode ser de uma maneira ou de uma maneira contrária e oposta,
ao que pode acontecer ou deixar de acontecer. Suas premissas são hipotéticas e
por isso sua conclusão também é hipotética.
O silogismo científico é aquele
que se refere ao universal e necessário, ao que é de uma maneira e não pode
deixar de ser tal como é, ao que acontece sempre e sempre da mesma maneira.
Suas premissas são apodíticas e sua conclusão também é apodítica.
O silogismo dialético é o que
comporta argumentações contrárias, porque suas premissas são meras opiniões sobre
coisas ou fatos possíveis ou prováveis. As opiniões não são objetos de ciência,
mas de persuasão. A dialética é uma discussão entre opiniões contrárias que
oferecem argumentos contrários, vencendo aquele argumento cuja conclusão for
mais persuasiva do que a do adversário. O silogismo dialético é próprio da retórica,
ou arte da persuasão, na qual aquele que fala procura tocar as emoções e
paixões dos ouvintes e não no raciocínio ou na inteligência deles.
O silogismo científico não
admite premissas contraditórias. Suas premissas são universais necessárias e
sua conclusão não admite discussão ou refutação, mas exige demonstração. Por
esse motivo, o silogismo científico deve obedecer a quatro regras, sem as quais
sua demonstração não terá valor:
1. as premissas devem ser
verdadeiras (não podem ser possíveis ou prováveis, nem falsas);
2. as premissas devem ser
primárias ou primeiras, isto é, indemonstráveis, pois se tivermos que
demonstrar as premissas, teremos que ir de regressão em regressão,
indefinidamente, e nada demonstraremos;
3. as premissas devem ser mais
inteligíveis do que a conclusão, pois a verdade desta última depende
inteiramente da absoluta clareza e compreensão que tenhamos das suas condições,
isto é, das premissas;
4. as premissas devem ser causa
da conclusão, isto é, devem estabelecer as coisas ou os fatos que causam a
conclusão e que a explicam, de tal maneira que, ao conhecê-las, estamos
obedecendo as causas da conclusão. Esta regra é da maior importância porque,
para Aristóteles, conhecer é conhecer as causas ou pelas causas.
O que são as premissas de um
silogismo científico? São verdades indemonstráveis, evidentes e causais. São de
três tipos:
1. axiomas, como, por
exemplo, os três princípios lógicos ou afirmações do tipo “O todo é maior do
que as partes”;
2. postulados, isto é, os
pressupostos de que se vale uma ciência para iniciar o estudo de seus objetos.
Por exemplo, o espaço plano, na geometria; o movimento e o repouso, na física;
3. definições (que, para
Aristóteles, são as premissas mais importantes de uma ciência) do gênero que é
o objeto da ciência investigada. A definição deve dizer o que a coisa estudada
é, como é, por que é, sob quais condições é (a definição deve dar o que,
o como, o porquê e o se da coisa investigada, que é o sujeito
da proposição).
A definição está referida ao
termo médio, pois é ele que pode preencher as quatro exigências (que, como, por
que, se) e é por seu intermédio que o silogismo alcança o conceito da
coisa investigada. Através do termo médio, a definição oferece o conceito da
coisa por meio das categorias (substância, quantidade, qualidade, relação,
lugar, tempo, posição, posse, ação, paixão) e da inclusão necessária do
indivíduo na espécie e no gênero.
O conceito nos oferece a essência
da coisa investigada (suas propriedades necessárias ou essenciais) e o termo
médio é o atributo essencial para chegar à definição. Por isso, a
definição consiste em encontrar para um sujeito (uma substância) seus atributos
essenciais (seus predicados). Um atributo é essencial quando faz uma coisa ser
o que ela é, ou cuja ausência impediria a coisa de ser tal como é (“mortal” é
um atributo essencial de Sócrates). Um atributo é acidental quando sua presença
ou sua ausência não afetam a essência da coisa (“gordo” é um atributo acidental
de Sócrates). O silogismo científico não lida com os predicados ou atributos
acidentais.
A ciência é um conhecimento que
vai de seu gênero mais alto às suas espécies mais singulares. A passagem do
gênero à espécie singular se faz por uma cadeia dedutiva ou cadeia silogística,
na qual cada espécie funciona como gênero para suas subordinadas e cada uma
delas se distingue das outras por uma diferença específica. Definir é
encontrar a diferença específica entre seres do mesmo gênero.
A tarefa da definição é oferecer
a definição do gênero e a diferença específica essencial que distingue uma
espécie da outra. A demonstração (o silogismo) partirá do gênero, oferecerá a
definição da espécie e incluirá o indivíduo na espécie e no gênero, de sorte
que a essência ou o conceito do indivíduo nada mais é do que sua inclusão ou
sua inerência à espécie e ao gênero. A demonstração parte da definição do
gênero e dos axiomas e postulados referentes a ele; deve provar que o gênero
possui realmente os atributos ou predicados que a definição, os axiomas e
postulados afirmam que ele possui. O que é essa prova? É a prova de que as
espécies são os atributos ou predicados do gênero e são elas o objeto da
conclusão do silogismo.
Com isso, percebe-se que uma
ciência possui três objetos: os axiomas e postulados, que fundamentam a
demonstração; a definição do gênero, cuja existência não precisa nem deve ser
demonstrada; e os atributos essenciais ou predicados essenciais do gênero, que
são suas espécies, às quais chega a conclusão. Numa etapa seguinte, a espécie a
que se chegou na conclusão de um silogismo torna-se gênero, do qual parte uma
nova demonstração, e assim sucessivamente.
Para que o silogismo científico
cumpra sua função, ele deve respeitar, além das regras gerais do silogismo,
quatro exigências relativas às suas premissas:
1. devem ser premissas verdadeiras
para todos os casos de seu sujeito;
2. devem ser premissas essenciais,
isto é, a relação entre o sujeito e o predicado deve ser sempre necessária,
seja porque o predicado está contido na essência do sujeito (por exemplo, o
predicado “linha” está contido na essência do sujeito “triângulo”), seja porque
o predicado é uma propriedade essencial do sujeito (por exemplo, o predicado
“curva” tem que estar necessariamente referido ao sujeito “linha”), seja porque
existe uma relação causal entre o predicado e o sujeito (por exemplo, o
predicado “equidistantes do centro” é a causa do sujeito “círculo”, uma vez que
esta é a figura geométrica cuja circunferência tem todos os pontos
equidistantes do centro). Em resumo, as premissas devem estabelecer a inerência
do predicado à essência do sujeito;
3. devem ser premissas próprias,
isto é, referem-se exclusivamente ao sujeito daquela ciência e de nenhuma
outra. Por isso, não posso ir buscar premissas da geometria (cujo sujeito são
as figuras) na aritmética (cujo sujeito são os números), nem as da biologia
(cujo sujeito são os seres vivos) na astronomia (cujo sujeito são os astros),
etc. Em outras palavras, o termo médio do silogismo científico se refere aos
atributos essenciais dos sujeitos de uma ciência determinada e de nenhuma
outra;
4. devem ser premissas gerais,
isto é, nunca devem referir-se aos indivíduos, mas aos gêneros e às espécies,
pois o indivíduo define-se por eles e não eles pelo indivíduo.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
28 de março de 2020 às 18:26
Bem escrito. E citou a fonte!
Parabéns.