A ideologia cientificista
O senso comum, ignorando as complexas relações entre as teorias científicas
e as técnicas, entre ciência pura e ciência aplicada, entre teoria e prática e
entre verdade e utilidade, tende a identificar as ciências com os resultados de
suas aplicações. Essa identificação desemboca numa atitude conhecida como cientificismo, isto é, fusão entre ciência e técnica e a ilusão da neutralidade científica.
Examinemos brevemente cada um desses aspectos que constituem a ideologia da
ciência na sociedade contemporânea.
O cientificismo
O cientificismo é a crença infundada de que a ciência pode e deve conhecer
tudo, que, de fato, conhece tudo e é a explicação causal das leis da realidade
tal como esta é em si mesma.
Ao contrário dos cientistas, que não cessam de enfrentar obstáculos
epistemológicos, problemas e enigmas, o senso comum cientificista desemboca
numa ideologia e numa mitologia da ciência.
Ideologia da ciência: crença no progresso e na evolução dos
conhecimentos que, um dia, explicarão totalmente a realidade e permitirão
manipulá-la tecnicamente, sem limites para a ação humana.
Mitologia da ciência: crença na ciência como se fosse magia e
poderio ilimitado sobre as coisas e os homens, dando-lhe o lugar que muitos
costumam dar às religiões, isto é, um conjunto doutrinário de verdades
intemporais, absolutas e inquestionáveis.
A ideologia e a mitologia cientificistas encaram a ciência não pelo prisma
do trabalho do conhecimento, mas pelo prisma dos resultados (apresentados como
espetaculares e miraculosos) e sobretudo como uma forma de poder social e de
controle do pensamento humano. Por este motivo, aceitam a ideologia da competência, isto é, a ideia de que há, na sociedade,
os que sabem e os que não sabem, que os primeiros são competentes e têm o
direito de mandar e de exercer poderes, enquanto os demais são incompetentes,
devendo obedecer e ser mandados. Em resumo, a sociedade deve ser dirigida e
comandada pelos que “sabem” e os demais devem executar as tarefas que lhes são
ordenadas.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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