"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Mito e Filosofia (parte 06/09)

O Mito e a Origem de Todas as Coisas

A multiplicidade de idéias e vertentes que formam o mito pode aparecer, muitas vezes, como desordem. A filosofia pode ser entendida como a tentativa de subordinar a multiplicidade de expressões à ordem racional, de enfrentar a dificuldade de entender os contrários misturados que povoam a vida. Entre mito e filosofia têm-se duas ordens ou duas concepções de mundo e a passagem da primeira à segunda expressa uma mudança estrutural da sociedade. Identificar ou pensar as várias ordens seria como identificar as constelações na imensidão do céu.
As narrativas míticas tentavam responder as questões fundamentais, como: a origem de todas as coisas, a condição do homem e suas relações com a natureza, com o outro e com o mundo, enfim, a vida e a morte, questões que a filosofia desenvolveu no decorrer de sua história. Mas aqui podemos formular outra questão: a filosofia nasceu da superação dos mitos, mas foi uma superação gradual ou um rompimento súbito? Para tanto, temos que primeiramente identificar algumas diferenças básicas entre os mitos e a filosofia.

O Mito (Mythos) é narrado pelo poeta-rapsodo, que escolhido pelos deuses transmitia o testemunho incontestável sobre a origem de todas as coisas, oriundas da relação sexual entre os deuses, gerando assim, tudo que existe e que existiu. Os mitos também narram o duelo entre as forças divinas que interferiam diretamente na vida dos homens, em suas guerras e no seu dia-a-dia, bem como explicava a origem dos castigos e dos males do mundo. Ou seja, a narrativa mítica é uma genealogia da origem das coisas a partir de lutas e alianças entre as forças que regem o universo.
A filosofia, por outro lado, trata de problematizar o porquê das coisas de maneira universal, isto é, na sua totalidade. Buscando estruturar explicações para a origem de tudo nos elementos naturais e primordiais (água, fogo, terra e ar) por meio de combinações e movimentos. Enquanto o mito está no campo do fantástico e do maravilhoso, a filosofia não admite contradição, exige lógica e coerência racional e a autoridade destes conceitos não advém do narrador como no mito, mas da razão humana, natural em todos os homens.

Numa Perspectiva Filosófica

Na origem da filosofia encontramos o mito e a poesia. Entre estas, as que chegaram até nós são as poesias de Homero e Hesíodo, que contam detalhes da vida das sociedades gregas antigas. Os mitos dos quais temos notícia são formas de narrativa oral sobre os tempos primordiais, isto é, sobre a origem ou a criação, é o modo como as sociedades arcaicas representavam coletivamente a geração de todas as coisas, isto é, a sua maneira de exprimir suas experiências.
É preciso esclarecer que os chamados primeiros filósofos oriundos da Jônia, mais ou menos no século IV a.C, foram também astrônomos, geômetras, matemáticos, médicos e físicos, isto é, as divisões do saber, as quais estamos acostumados, são modernas e não faziam parte do universo dos antigos. A distinção entre o que é a filosofia e o que é poesia, física, etc., é herança platônica. Existem duas versões principais sobre a origem da filosofia: a versão mais conhecida é aquela que acentua o surgimento de uma metodologia nova de abordagem dos problemas no esforço de certos pensadores em explicar os fenômenos naturais com métodos que possibilitavam medir, verificar e prever os fenômenos. Nessa versão a filosofia ao nascer, opõe-se ao mito e o substitui, a partir de uma nova racionalidade.
A segunda versão diz que não houve um rompimento com o mito e a religiosidade dos antigos continuou a aparecer nas formas de conhecimento filosófico.


Não sabemos se os contemporâneos dos primeiros filósofos gregos acreditavam verdadeiramente que a Via Láctea era o leite espalhado pelo seio de Hera, mas quando Demócrito afirma que não se trata senão de uma concentração de estrelas, a maioria considera isso como uma blasfêmia. Quanto a Anaxágoras, que deu como certo ser o Sol um aglomerado de pedras, chegou mesmo a ter conflitos com os poderes públicos. É verdade que as doutrinas dos primeiros filósofos estavam ainda marcadas pela mitologia, mas isso não deve esconder-nos a sua orientação fundamentalmente antimitológica. (OIZERMAN, in: GOMES & FIGUEIREDO, 1983 p. 80 -81)

As duas respostas podem ser consideradas extremadas. A filosofia surgiu gradualmente a partir da superação dos mitos, rompendo em parte com a teodicéia. Outras civilizações apresentaram alguma forma de pensamento filosófico, contudo, sempre ligado à tradição religiosa. A filosofia, por sua vez, abandona e supera a crença mítica e abraça a razão e a lógica como pressupostos básicos para o pensar. Então podemos dizer que a filosofia surgiu por meio da racionalização dos mitos, mas sob a influência dos conhecimentos adquiridos de outros povos gerando algo novo, ou seja, houve uma superação e transformação do antigo, gestando o novo de maneira diferente.

1 Response to "Mito e Filosofia (parte 06/09)"

  1. Valdecy Alves says:
    8 de junho de 2010 às 15:25

    Vc está convidad@ a ler matéria em meu blog sobre como deve ser uma pessoa ideal, conforme Aristóteles e Nietzsche formularam. Como é o ser humano atual comparado com a formulação de cada um dos filósofos? Vc se encaixa nas formulações? Ler em: www.valdecyalves.blogspot.com