"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Renascimento (Parte 02/08)

Acima, o primeiro incunábulo ilustrado.
Xilogravura mostrando a entrada para a Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém,
o Peregrinatio in terram sanctam, de 1486, colorizada à mão por Erhard Reuwich.
Biblioteca do Estado da Bavária

OS PRESSUPOSTOS DO RENASCIMENTO – (Continuação)

— (…) Hoje vou lhe contar um pouco sobre o Renascimento.
— Pode começar.
— Apenas alguns anos depois da morte de são Tomás de Aquino, a estrutura da unidade cristã começou a apresentar rachaduras. A filosofia e a ciência continuavam a se libertar da teologia cristã, possibilitando à religião um relacionamento mais livre com a razão. Cada vez mais pensadores enfatizavam que não seria possível chegar a Deus por meio de nossa razão, pois de qualquer forma Deus seria incompreensível para o nosso pensamento. O que importava para o homem não era entender o mistério cristão, mas sujeitar-se à vontade de Deus.

— Entendo…
— O fato de a religião e a ciência estabelecerem entre si um relacionamento mais livre levou a um método científico novo e a um novo fervor religioso. Estavam assim estabelecidas as bases para duas importantes transformações ocorridas nos séculos XV e XVI: o Renascimento e a Reforma.
— Vamos ver uma transformação de cada vez.
— Por renascimento entende-se um período abrangente de apogeu cultural que se iniciou em fins do século XIV. Ele começou no Norte da Itália e depois se expandiu rapidamente rumo ao norte ao longo dos séculos XV e XVI.
— Você não disse que “renascimento” significa “nascer de novo”?
— Disse. E o que viria a nascer de novo eram a arte e a cultura da Antigüidade. Por isso falamos também do humanismo do Renascimento: depois da longa Idade Média, que via todos os aspectos da vida a partir de um prisma divino, o homem volta a ocupar o centro de tudo. A égide deste movimento era a seguinte: “De volta às fontes!”, e a principal fonte era o humanismo da Antigüidade. “Desenterrar” esculturas antigas e manuscritos da Antigüidade tornou-se quase um esporte popular. Aprender grego também virou moda, o que levou a um reestudo da cultura grega. O estudo do humanismo grego também tinha um objetivo pedagógico: o estudo de temas humanistas levava a uma “formação clássica”, capaz de elevar o homem a um nível superior de existência. Costumava-se dizer que “os cavalos nascem, ao passo que os homens se formam”.
— Quer dizer que precisamos ser educados para nos tornarmos seres humanos?
— Sim, era assim que eles pensavam naquela época. Mas antes de examinarmos mais de perto as idéias do humanismo e do Renascimento, vamos falar um pouco sobre o pano de fundo cultural e político do Renascimento.
Alberto levantou-se e começou a andar pela sala. Depois parou e apontou para um instrumento muito antigo que estava na estante.
— Você sabe o que é isto? — perguntou.
— Parece uma antiga bússola.
— Correto.
Depois apontou para uma antiga arma de fogo, que estava pendurada na parede sobre o sofá.
— E isto?
— Uma espingarda antiga.
— Muito bem. E isto?
Alberto tirou um grosso livro da estante.
— Um livro antigo.
— Para ser mais exato, um incunábulo.
— Um incunábulo?
— Na verdade, a palavra “incunábulo” significa “berço” e é o nome que se dá aos livros que foram impressos nos primórdios da arte da impressão, ou seja, antes de 1500.
— E este livro é realmente tão antigo assim?
— É sim. E justamente estes três inventos que temos aqui diante de nós – a bússola, a pólvora e a impressão de livros – foram os pressupostos mais importantes para a nova era, que chamamos de Renascimento.
— Me explique um pouco melhor.
— A bússola facilitou a navegação. Em outras palavras, ela foi um pressuposto importante para os grandes descobrimentos. O mesmo vale para a pólvora. As novas armas trouxeram a supremacia européia sobre as culturas americana e asiática. Mas também na Europa a pólvora foi de grande importância. E a impressão de livros foi importante para difundir os novos pensamentos do Renascimento humanista. Ela também contribuiu para que a Igreja perdesse o seu antigo monopólio como transmissora de conhecimentos. Mais tarde, novos instrumentos e novas invenções começaram a se suceder em ritmo cada vez mais acelerado. Um instrumento importante foi, por exemplo, o telescópio, que criou condições absolutamente novas para a astronomia.
— E por fim vieram os foguetes e as viagens espaciais tripuladas, não é?
— Agora você foi longe e rápido demais! Certo é que durante o Renascimento teve início um processo que acabaria por levar o homem à Lua. Ou então para Hiroxima e Chernobyl. Mas primeiro vem uma série de modificações no âmbito cultural e econômico. Uma premissa importante foi a transição da economia à base de troca para a economia monetária. No final da Idade Média, havia cidades de comércio intenso e de comerciantes experientes, com economia de base monetária e sistema bancário. Desta forma surgiu uma burguesia que havia conquistado certa independência com referência às necessidades vitais básicas. O que se precisava para viver comprava-se agora com dinheiro. Esta evolução incentivava a diligência, a imaginação e a criatividade de cada um. E tarefas totalmente novas foram colocadas ao indivíduo.
— Isto me lembra um pouco o surgimento das cidades gregas, dois mil anos antes.
— Pode ser. Eu contei a você como os filósofos gregos haviam se libertado da visão mítica do mundo, própria da cultura camponesa. Do mesmo modo, os cidadãos da época do Renascimento começaram a se libertar dos senhores feudais e do poder da Igreja. Ao mesmo tempo, a cultura grega foi redescoberta, graças a um contato mais estreito com os árabes na Espanha e com a cultura bizantina.
— Os três rios da Antigüidade que se unem numa só corrente.
— Você é uma aluna atenciosa. Mas vamos parando por aqui com os pressupostos do Renascimento. Vou lhe contar agora sobre o novo pensamento.
— Vamos lá. Só que eu tenho que voltar para casa para o jantar.

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