"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Renascimento (Parte 03/08)

Giordano Bruno

A NOVA VISÃO DO HOMEM - (Páginas 218-220.)

Alberto sentou-se novamente no sofá.
— O mais importante produto do Renascimento foi uma nova visão do homem. Os humanistas do Renascimento desenvolveram uma crença totalmente nova no homem e em seu valor, o que se opunha frontalmente à Idade Média, período em que se enfatizava apenas a natureza pecadora do homem. O homem passa a ser visto agora como algo infinitamente grandioso e valioso. Uma figura central do Renascimento foi Marsilio Ficino. É dele a célebre frase: “Conhece-te a ti mesmo, ó linhagem divina vestida com trajes de mortais!”. Um outro, Giovanni Pico della Mirandola, escreveu um discurso laudatório intitulado Sobre a dignidade do homem. Uma coisa dessas seria inimaginável na Idade Média. Durante toda a Idade Média, o ponto de partida sempre fora Deus. Os humanistas do Renascimento, ao contrário, têm como ponto de partida o próprio homem.

— Mas os filósofos gregos também já tinham feito isso.
— Por isso é que falamos de um “re-nascimento” do humanismo da Antigüidade. Contudo, o humanismo do Renascimento foi muito mais marcado pelo individualismo do que o humanismo da Antigüidade. Não somos apenas pessoas; somos indivíduos singulares. Este pensamento podia levar a uma adoração irrestrita do gênio. O ideal passou a ser, então, aquilo que chamamos de o homem renascentista. Entendemos por isto um homem que se ocupa de todos os aspectos da vida, da arte e da ciência. Além disso, a nova visão do homem mostrava-se também no interesse pela anatomia do corpo humano. Como na Antigüidade, começou-se a dissecar os corpos, a fim de se descobrir como era constituído o corpo humano. E isto era importante tanto para a medicina quanto para a arte. Na arte voltaram a ser comuns as representações de nus humanos. Podemos dizer que isto passou a acontecer depois de mil anos de pudor e vergonha. O homem ousava novamente ser ele mesmo. Ele não precisava mais ter vergonha de nada.
— Isto parece uma coisa inebriante — disse Sofia, debruçando-se sobre a mesinha que havia entre ela e o seu professor de filosofia.
— Sem dúvida. A nova imagem do homem levou a uma concepção de vida absolutamente nova. O homem não existia apenas para servir a Deus, mas também para ser ele próprio. Por esta razão, o homem podia desfrutar aqui e agora de sua própria vida. E se o homem podia se desenvolver livremente, ele tinha possibilidades ilimitadas. Seu objetivo era ultrapassar todas as fronteiras. Aliás, este também era um ponto de diferença em relação ao humanismo da Antigüidade. Os humanistas da Antigüidade tinham enfatizado precisamente que o homem devia apresentar tranqüilidade, temperança e autodomínio.
— Quer dizer que os humanistas do Renascimento perderam o autodomínio?
— Pelo menos eles não eram particularmente moderados, para dizer o mínimo. Para eles, era como se o mundo acabasse de ter acordado. Os homens daquela época passaram a ser muito mais conscientes de seu próprio tempo. Foi então que criaram o termo “Idade Média” para designar todos os séculos compreendidos entre a Antigüidade e o seu próprio tempo. Todos os domínios do saber começaram a experimentar um período singular de apogeu: arte e arquitetura, literatura e música, filosofia e ciência. Vou citar um exemplo concreto. Falamos sobre a Roma da Antigüidade, que ostentava orgulhosa os títulos de “cidade das cidades” e “umbigo do mundo”. No decorrer da Idade Média, a cidade entrou em declínio e em 1417 a antiga metrópole tinha apenas dezessete mil habitantes.
— Não muito mais do que Lillesand.
— O humanismo do Renascimento coloca como objetivo político-cultural a tarefa de reconstruir Roma. A principal decorrência deste objetivo foi a construção da catedral de São Pedro sobre o túmulo do apóstolo Paulo. E observando a catedral de São Pedro não podemos realmente falar de moderação ou autodomínio. Muitos dos grandes nomes do Renascimento engajaram-se neste que seria o maior projeto arquitetônico do mundo. Os trabalhos começaram em 1506 e duraram cento e vinte anos. Depois foram necessários outros cinqüenta anos para que a grande praça de São Pedro fosse terminada.
— Deve ser uma igreja enorme.
— Ela tem mais de duzentos metros de comprimento e cento e trinta metros de altura. Bem, acho que este exemplo é suficiente para ilustrar o arrojo do homem renascentista. Outro dado muito importante é que o Renascimento levou a uma nova concepção de natureza. O fato de o homem “estar de bem” com sua própria existência e o fato de a vida na Terra não ser vista apenas como preparação para a vida no céu deram origem a uma postura completamente nova diante do mundo físico. A natureza era considerada agora algo positivo. Muitos acreditavam também que Deus estava presente na sua criação. Afinal, se Ele é infinito, também é onipresente. Chamamos tal concepção de panteísmo. Os filósofos da Idade Média sempre haviam chamado a atenção para o abismo intransponível que havia entre Deus e sua criação. Agora, a natureza podia ser vista como algo divino, ou mesmo como um “desdobramento de Deus”. Esses pensamentos novos nem sempre foram bem recebidos pela Igreja. O destino de Giordano Bruno é uma prova trágica do que estou dizendo. Ele não dizia apenas que Deus estava presente na natureza. Ele também considerava o universo infinito e por isso foi severamente punido.
— De que maneira?
— Em 1600, Giordano Bruno foi queimado no mercado de flores de Roma…
— Que coisa terrível… e estúpida! É isto que você chama de humanismo?
— Não, não. Bruno era o humanista, e não o seu carrasco. Mas durante o Renascimento floresceu também aquilo que chamamos de “anti-humanismo”. Refiro-me com isto a uma Igreja e a um poder estatal autoritários. Durante o Renascimento houve também processos contra bruxos e bruxas, execuções em fogueiras, magia, superstição, sangrentas guerras religiosas e ainda a brutal conquista da América. Nenhuma época é apenas boa ou apenas ruim. O bem e o mal perpassam toda a história da humanidade como dois fios de uma meada. E freqüentemente se entrelaçam um no outro. Aliás, isto vale para o próximo conceito que vamos estudar. Vou contar a você como o Renascimento desenvolveu também um novo método científico.

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