"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Renascimento (Parte 07/08)

Isaac Newton e suas experiências na área da Física

A NOVA VISÃO DE MUNDO (Continuação)

Alberto bateu palmas e, por um instante, Sofia teve medo de que ele tivesse perdido parte do juízo. Alberto, então, prosseguiu:
— Você viu o que acontece quando duas forças atuam simultaneamente sobre o mesmo objeto. Galileu descobriu que o mesmo vale, por exemplo, para uma bala de canhão. A bala é lançada ao ar, continua voando por algum tempo, mas acaba sendo atraída para o chão. E quando isto acontece, a bala descreve uma trajetória que corresponde àquela de nossa bolinha de gude no plano inclinado. Para a época de Galileu Galilei esta era uma descoberta realmente nova. Aristóteles acreditava que um projétil lançado ao ar descreveria a princípio um pequeno arco e depois cairia verticalmente no chão. Isto não estava certo, mas só ficou claro que Aristóteles tinha se enganado quando se conseguiu demonstrar que ele se enganara.

— Tudo bem. Mas será que tudo isto é realmente importante?
— Se é importante? Isto é de uma importância cósmica, minha cara. De todas as descobertas científicas da história da humanidade, esta é uma das mais importantes.
— Aposto como você vai me explicar por quê.
— Mais tarde apareceu o físico inglês Isaac Newton, que viveu de 1642 a 1727. Devemos a ele a descrição definitiva do sistema solar e dos movimentos dos planetas. Ele não apenas conseguiu descrever como os planetas se movimentam ao redor do Sol como também explicar exatamente por que o seu movimento é como é. E ele conseguiu isto por várias razões, inclusive pela referência a Galileu e à sua lei da inércia, à qual Newton deu uma formulação final.
— Os planetas são bolinhas de gude sobre um plano inclinado?
— Mais ou menos. Tenha um pouco mais de paciência, Sofia.
— Não tenho outra escolha mesmo…
— Kepler já havia chamado a atenção para o fato de que tinha de haver uma força que provocava a atração entre os planetas. Do Sol tinha que partir uma força que mantinha os planetas em suas órbitas. Tal força explicaria também por que os planetas se movimentam mais rapidamente nas proximidades do Sol e mais lentamente quanto é maior a distância que os separa dele. Além disso, Kepler também achava que as marés, quer dizer, a subida e a descida do nível do mar, estavam relacionadas a uma força exercida pela Lua.
— E isto está certo.
— Sim, está certo. Mas Galileu rejeitava essas idéias. Ele zombava de Kepler e de sua idéia fixa, como ele mesmo dizia, de que “a Lua governa as águas”. Galileu rejeitava a suposição de que tais forças pudessem agir a grande distância; ele duvidava que elas atuassem, portanto, entre os planetas.
— E neste ponto ele estava errado.
— Sim, neste ponto ele estava errado; o que é estranho, pois ele vinha estudando intensamente a força da gravidade da Terra e a queda dos corpos. Além disso, Galileu mostrou como várias forças podem controlar os movimentos de um corpo.
— Mas você não estava falando de Newton?
— Sim, depois veio Newton, que formulou a chamada lei da atração universal. Segundo esta lei, todo objeto atrai outro objeto com uma força que cresce proporcionalmente ao aumento do tamanho dos objetos e diminui proporcionalmente ao aumento da distância que separa os objetos.
— Acho que entendo. Entre dois elefantes, por exemplo, existe uma atração maior do que entre dois ratos. E entre dois elefantes no mesmo zoológico existe uma força de atração maior do que entre um elefante indiano que está na Índia e um elefante africano que está na África.
— Pronto. Você entendeu tudo. E agora vem o mais importante. Newton afirmou que esta atração, ou gravitação, é universal. Isto significa que ela vale para o universo inteiro, inclusive para o espaço entre os corpos celestes. Diz-se que ele chegou a esta conclusão certa vez quando estava sentado debaixo de uma macieira e viu uma maça cair da árvore. Newton se perguntou se a Lua também não seria atraída para a Terra pela mesma força, e se por isso a Lua não ficaria orbitando ao redor da Terra para sempre.
— Muito inteligente da parte dele. Se bem que nem tão inteligente assim.
— Por quê, Sofia?
— Se a Lua fosse atraída para a Terra pela mesma força que fez cair a maçã, então a Lua acabaria caindo na Terra em vez de ficar rodopiando em volta dela como um gato em torno de um prato de mingau quente.
— Bem, agora estamos próximos da lei dos movimentos dos planetas, de Newton. O que você disse acerca da atração da Terra sobre a Lua está certo e errado. Por que a Lua não cai na Terra, Sofia? A pergunta se justifica, pois a atração que a Terra exerce sobre a Lua de fato é enorme. Imagine como devem ser poderosas as forças capazes de elevar em um ou dois metros o nível do mar.
— Não… não estou entendendo.
— Pense no plano inclinado de Galileu. O que aconteceu quando empurrei a bolinha de gude no sentido da largura do plano inclinado?
— Quer dizer que são duas forças diferentes que atuam sobre a Lua?
— Exatamente. Quando o sistema solar surgiu, a Lua foi impelida com toda a força para fora de sua trajetória, o que também significa dizer para longe da Terra. Esta força continuará a atuar por toda a eternidade, pois a Lua se movimenta num vácuo em que não há qualquer resistência…
— Ao mesmo tempo, porém, ela é atraída pela gravidade da Terra.
— Exatamente. Ambas as forças são constantes e ambas atuam simultaneamente. Por isso a Lua continuará a girar em torno da Terra.
— É tudo tão simples assim?
— Sim, e esta “simplicidade” era exatamente o que Newton considerava o mais importante. Newton demonstrou também que algumas poucas leis físicas, como a lei da inércia, por exemplo, valiam para o universo inteiro. E para explicar o movimento dos planetas ele tinha usado apenas duas leis da natureza que já haviam sido mostradas por Galileu, a da inércia e aquela que vimos no plano inclinado: um corpo sobre o qual atuam simultaneamente duas forças descreve uma trajetória elíptica.
— E com isto Newton conseguiu explicar por que todos os planetas giram em torno do Sol.
— Isso mesmo. Todos os planetas descrevem órbitas elípticas ao redor do Sol e o fazem por causa de dois movimentos diferentes: em primeiro lugar, o movimento em linha reta que eles tomaram quando da criação do sistema solar e, em segundo, um movimento em direção ao Sol, devido à gravitação.
— Muito inteligente.
— Sim, muito inteligente. Newton mostrou que as mesmas leis válidas para os movimentos dos corpos também eram válidas para todo o universo. Com isto ele afastou do caminho antigas idéias medievais segundo as quais as leis “do céu” eram diferentes das da Terra. A visão heliocêntrica do mundo encontrou, assim, sua confirmação e uma explicação definitiva.
Alberto levantou-se e colocou o plano inclinado de volta na escrivaninha. Abaixou-se, pegou do chão a bolinha de gude e a colocou na mesinha de centro entre ele e Sofia. Sofia quase não conseguia acreditar o quanto tinha aprendido com uma simples bolinha de gude e um pedaço de madeira mais grosso de um lado. Quando viu a bolinha de vidro verde, que continuava um pouco manchada pelo nanquim, pensou no globo terrestre e disse:
— E as pessoas tiveram de se acostumar com a idéia de viver num planeta como outro qualquer no meio de um enorme universo?
— Sim, e em certo aspecto esta nova visão de mundo era um fardo duro de carregar. Podemos compará-lo à situação vivida pelas pessoas quando Darwin mostrou que o homem tinha evoluído a partir dos animais. Em ambos os casos, o homem perdeu um pouco da sua posição especial na criação. E em ambos os casos a Igreja opôs uma tremenda resistência.
— Dá para entender muito bem. Afinal, onde fica Deus nessa história toda? De alguma forma tudo era muito mais fácil quando a Terra estava no centro de tudo e Deus e todos os corpos celestes moravam no andar de cima.
— Mas este não foi o maior desafio. Quando Newton mostrou que as mesmas leis físicas valiam para o universo inteiro, qualquer um poderia interpretar isto como a perda da crença na onipotência de Deus. Mas a fé do próprio Newton não foi abalada. Ele considerava as leis da natureza provas da existência de um grande e poderoso Deus. Já o mesmo não se pode dizer da imagem que o homem fazia de si mesmo.
— Como assim?
— Desde o Renascimento as pessoas tiveram que se habituar à idéia de que viviam num planeta como outro qualquer, no meio de um universo enorme. Aliás, não estou bem certo se de lá para cá nós mesmos nos acostumamos com esta idéia. Mas, já na época do Renascimento, alguns diziam que o homem nunca estivera tão perto do centro como então.
— Não estou entendendo.
— Até então, a Terra tinha sido o centro do mundo. Mas quando os astrônomos explicaram que não existe um centro absoluto em todo o universo, surgiram tantos centros quantas são as pessoas.
— Entendo…

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