"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Kant (Parte 01/08)



(…)
— (…) Vamos nos sentar perto da lareira. Vou lhe contar alguma coisa sobre Kant.
Nesse momento, Sofia encontrou uns óculos sobre uma mesinha colocada entre duas poltronas. Ela percebeu que as duas lentes eram vermelhas. Talvez fosse um par de óculos de sol bem fortes…
— São quase duas horas — disse ela. — Preciso estar em casa o mais tardar às cinco. Minha mãe na certa deve ter planejado alguma coisa para o meu aniversário.
— Então temos três horas.
— Vamos começar. 

— Immanuel Kant nasceu em Königsberg, uma cidade da Prússia oriental, em 1724. Ele era filho de um seleiro e passou quase toda a sua vida em sua cidade natal, até falecer aos oitenta anos. Sua família era muito fervorosa em sua fé cristã, razão pela qual a convicção religiosa do próprio Kant foi um elemento muito importante para a sua filosofia. Como Berkeley, Kant também queria salvar o fundamento da fé cristã.
— Já ouvi o bastante sobre Berkeley, obrigada.
— Dos filósofos de que falamos, Kant foi o primeiro a trabalhar como professor numa universidade. Ele foi o que freqüentemente chamamos de “especialista em filosofia”.
— Especialista em filosofia?
— A palavra “filósofo” é empregada hoje em dia em dois sentidos levemente diferentes. Por filósofo entendemos, sobretudo, aquele que tenta encontrar suas próprias respostas para questões filosóficas. Mas um filósofo também pode ser um especialista em história da filosofia, sem necessariamente querer desenvolver sua própria filosofia.
— E Kant foi um especialista em filosofia?
— Ele foi ambas as coisas. Se tivesse sido apenas um professor brilhante, um especialista, portanto, no pensamento de outros, ele não ocuparia um lugar tão importante na história da filosofia. Igualmente importante, porém, é o fato de Kant realmente conhecer como poucos a tradição filosófica. Ele conhecia muito bem tanto os racionalistas como Descartes e Spinoza, quanto empíricos como Locke, Berkeley e Hume.
— Já pedi para você não tocar mais no nome de Berkeley.
— Sabemos que, para os racionalistas, a base de todo o conhecimento humano estava na consciência do homem. E sabemos também que os empíricos queriam derivar das impressões dos sentidos todo o conhecimento do mundo. Além disso, Hume chamara a atenção para o fato de haver limites definidos para as conclusões que podemos tirar com a ajuda dos nossos sentidos.
— E com qual deles Kant concordava?
— Ele achava que todos tinham um pouco de razão, mas que também tinham se enganado em alguns pontos. De qualquer forma, todos eles tinham se dedicado à tarefa de investigar o que podemos saber do mundo. Este era o projeto filosófico comum a todos os filósofos depois de Descartes. Havia duas possibilidades em discussão: o mundo seria exatamente como nós o percebemos, ou como se mostra à nossa razão?
— E o que Kant achava?
— Kant achava que tanto os sentidos quanto a razão eram muito importantes para a nossa experiência do mundo. Contudo, ele achava que os racionalistas atribuíam uma importância exagerada à razão, enquanto os empíricos eram parciais demais ao defender a experiência centrada nos sentidos.
— Se você não citar logo um exemplo, tudo isto não vai passar de palavras.

Extratos da obra de GAARDER, Jostein.
O Mundo de Sofia.  Romance da História da Filosofia.
São Paulo: Cia das Letras, 1996.

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