Kant (Parte 03/08)
— A consciência humana não é, portanto, uma “placa” que
só registra passivamente as impressões sensoriais vindas de fora. Ela também é
criativa; é uma instância formadora. A própria consciência coloca sua marca no
modo como percebemos o mundo. Talvez possamos comparar isto com o que acontece
quando colocamos água num jarro de vidro. A água toma a forma do jarro. Do mesmo
modo, as impressões dos sentidos se adaptam às nossas “formas da
sensibilidade”.
— Acho que entendo o que você quer dizer.
— Kant afirma que não é apenas a consciência que se
adapta às coisas. As coisas também se adaptam à consciência. O próprio Kant
chama isto de “a virada de Copérnico” na questão do conhecimento humano. Com
isto ele quer dizer que esta reflexão é tão nova e tão radical em relação à
tradição quanto a afirmação de Copérnico de que a Terra gira em torno do Sol, e
não o contrário.
— Agora entendo o que ele queria dizer quando afirmou que
tanto os racionalistas quanto os empíricos estavam certos em parte. De certa
forma, os racionalistas tinham esquecido a importância da experiência dos
sentidos, enquanto os empíricos não quiseram ver que a razão co-determina nossa
concepção de mundo.
— Para Kant, até a lei da causalidade, que, segundo Hume,
o homem era incapaz de experimentar, é elemento componente da razão humana.
— Explique um pouco melhor.
— Você ainda se lembra de que, para Hume, era a força do
hábito que nos fazia ver uma relação de causa entre os processos da natureza.
Isto porque Hume achava que não podemos sentir que a bola preta de bilhar é a
causa do início do movimento da bola branca. Por esta razão, segundo ele, não
podemos provar que a bola preta sempre colocará em movimento a branca.
— Ainda me lembro disso.
— Mas Kant considera uma propriedade da razão humana
exatamente isto que, para Hume, não pode ser provado. A lei da causalidade é
eterna e absoluta, simplesmente porque a razão humana considera tudo o que
acontece dentro de uma relação de causa e efeito.
— E novamente eu diria que a lei da causalidade está na
natureza e não em nós mesmos.
— Kant diz que ela está dentro de nós. Ele concorda com
Hume em que não podemos saber com certeza como o mundo é “em si”. Só podemos
saber como o mundo é “para mim” e, portanto, para todos os homens. A diferença
que Kant estabelece entre as “coisas em si” e as “coisas para nós” é a sua mais
importante contribuição para a filosofia. Nunca seremos capazes de saber com
toda a certeza como as coisas são “em si”. Só podemos saber como elas “se
mostram” a nós. Em compensação, podemos dizer com certeza como as coisas serão
percebidas pela razão humana.
— E isto está certo?
— De manhã, antes de sair de casa, você não pode saber o
que vai ver e vivenciar no dia que está começando. Entretanto, você pode saber
que o que verá e viverá será percebido como um evento no tempo e no espaço.
Além disso, você pode estar certa de que a lei da causa e efeito terá validade,
simplesmente porque você a carrega consigo enquanto parte da sua consciência.
— E poderia ser de outro jeito?
— Sim. Nossos sentidos poderiam ser outros, completamente
diferentes, e também poderíamos perceber o tempo e o espaço de uma maneira completamente
diferente. Além disso, poderíamos ser feitos de modo a não buscar a causa para
os acontecimentos à nossa volta.
— Você tem um exemplo?
— Imagine um gato deitado no chão do quarto. Imagine,
então, uma bola rolando pelo chão. O que o gato faz neste caso?
— Já fiz esta experiência. O gato corre atrás da bola.
— Certo. Agora imagine que, em vez do gato, você esteja no quarto. Se de repente
você vê uma bola rolando, você sai correndo atrás dela?
— Primeiro eu me viro para ver de onde a bola veio.
— Sim, isto porque você é uma pessoa e quer
necessariamente saber a causa daquele acontecimento. A lei da causalidade faz
parte, portanto, da sua constituição.
— Mas isso é verdade mesmo?
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