Kant (Parte 06/08)
— Mas no começo você disse que Kant queria salvar os
fundamentos da fé cristã.
— Sim, e de fato ele garante espaço para a religião em
seu pensamento justamente naquela zona à qual não conseguem chegar nem a nossa
experiência, nem a nossa razão. E justamente este vácuo pode ser preenchido
pela fé religiosa.
— E foi assim que ele salvou o cristianismo?
— Podemos dizer que sim. É preciso observar que Kant era
protestante. Desde a Reforma, um traço do cristianismo protestante era
justamente a fé. Desde o início da Idade Média, a Igreja católica acreditava
mais na razão como um pilar da fé.
— Entendo.
— Mas Kant foi mais além do que simplesmente constatar
que estas questões mais abrangentes deveriam ser deixadas à fé do homem. Ele
achava que as premissas de que a alma é
imortal, de que existe um Deus e
de que o homem possui livre-arbítrio eram pressupostos de certa forma
imprescindíveis para a moral do homem.
— Isso se parece com Descartes. Primeiro ele reflete de
forma bastante crítica sobre o que podemos ou não compreender. Depois coloca
Deus e tudo o mais para dentro de casa pela porta dos fundos.
— Em contraposição a Descartes, porém, Kant afirma
expressamente que não foi a razão, e sim a fé, que o levou até a este ponto.
Ele mesmo chama de postulado prático
a fé numa alma imortal, em Deus e no livre-arbítrio do homem.
— O que significa isto?
— Postular alguma coisa significa afirmar alguma coisa
que não se pode provar. Por postulado prático Kant entende algo que precisa ser
afirmado para a “prática” do homem; para o seu agir e, portanto, para a sua
moral. “É moralmente necessário supor a existência de Deus”, dizia ele.
(…)
[Alberto continuou:]
— (…) Antes de terminarmos nossa conversa de hoje, ainda
preciso falar um pouco sobre a ética de Kant.
— Então se apresse, pois tenho de ir para casa.
— O ceticismo de Hume quanto ao que a razão e os sentidos
realmente são capazes de nos dizer levou Kant a repensar muitas das questões
mais importantes da vida. E isto também vale para o campo da moral.
— Hume disse que não podemos provar o que é certo e o que
é errado, pois não podemos tirar nossas conclusões saltando de uma “oração do
ser” para uma do “dever ser”.
— Hume achava que nem a nossa razão, nem as nossas
experiências podiam estabelecer a diferença entre certo e errado. Para ele,
isto era tarefa exclusiva dos nossos sentimentos. Aos olhos de Kant, este era
um fundamento frágil demais.
— Dá para entender muito bem.
— Desde o início, Kant tinha a forte impressão de que a
diferença entre certo e errado tinha de ser mais do que uma questão de
sentimento. Nesse ponto ele concordava com os racionalistas, para quem a
diferenciação entre certo e errado era algo inerente à razão humana. Todas as
pessoas sabem o que é certo e o que é errado; e não o sabem porque aprenderam,
e sim porque isto é algo inerente à nossa razão. Kant acreditava que todos os
homens possuem uma razão prática, que
nos diz a cada um o que é certo e o que é errado no campo da moral.
— Ela é uma coisa inata, portanto.
— A capacidade de distinguir entre certo e errado é tão
inata quanto todas as outras propriedades da razão. Todas as pessoas entendem
os acontecimentos do mundo como causados por alguma coisa e todos têm também
acesso à mesma lei moral universal.
Esta lei moral tem a mesma e absoluta validade das leis do mundo físico. Ela é
tão basilar para a nossa vida moral quanto é fundamental para a nossa razão o
fato de que tudo possui uma causa, ou de que sete mais cinco são doze.
— E o que diz esta lei moral?
— Uma vez que ela é anterior a toda e qualquer
experiência, ela é “formal”. Isto significa que ela não está ligada a um grupo
específico de opções na esfera da moral. Ela vale para todas as pessoas, em
todas as sociedades, em todos os tempos. Ela não diz, portanto, o que você deve
fazer nesta ou naquela situação. Ela diz como você deve se comportar em todas as situações.
— Mas que sentido tem uma lei moral que não nos diz como
nos devemos comportar em determinada situação?
— Kant formula sua lei moral como um imperativo categórico. Por imperativo categórico Kant entende que a
lei moral é “categórica”, ou seja, vale para todas as situações. Além disso,
ela é também um “imperativo”, uma “ordem”, portanto, e também é absolutamente
inevitável.
— Humm…
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